terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Palavras Versadas


FUTURISTA

Todos os dias um belo soneto
Dedica o poeta à nação
Nação que é o mundo bom completo
Soneto que é em forma de oração

Faz amor o poeta quer amor
E bela forma quer de liberdade
Quer justiça o poeta a maior
A mais grande justiça é a equidade

Aos outros reconhece ele talento
Haja respeito em todos bom respeito
Que esta vida seja o bem possível

Que cada artista tenha o seu sustento
Conte mais a virtude que o defeito
E que venha o Céu apetecível


João Belo

domingo, 29 de janeiro de 2012

Provocatio


A ilusão do tempo

Quando, há muitos anos, nos encontrámos e aparentemente nos revelámos um ao outro, sem sabermos estávamos já a recordar, por exemplo, este momento.


DuArte

sábado, 28 de janeiro de 2012

Crónica Benzodiazepina


A erva quando nasce...

Anda uma ovelha entre as outras ovelhas, por andar, por ser Ser de acompanhar desde o seu primórdio selvagem mais que gregário. A ovelha é um animal que só, por si, não se sente bem, por só se sentir bem sendo em rebanho. Comparte tudo com o seu semelhante. E com a cabra. A cabra é muito importante, é um elemento essencial do rebanho, pois, é a cabra que escolhe o pasto e conduz o rebanho. A ovelha vai atrás, deixa-se conduzir, a cabra não, necessita de ser coagida pelos cães a não se arrojar fora do rebanho. Lidera, conduz, protesta, não se emenda, e fá-lo até ao limte das suas canelas mordidas. Dificilmente se perde do rebanho, gosta de escolher, de descobrir, fareja à légua na humidade do trilho a abundância. Sabe distinguir as ervas e os fungos, os que envenenam, os que amarujam, os que aguilhoam, os que se colam ao ruminar dos dentes, mas, de resto, come tudo o que cresce do solo sem repulsa. Quando deixa de ouvir os guizos, volta atrás, procura o rebanho e integra-se, mistura-se com o seu séquito e condu-lo por outro rasto de verde. Por sua vez, a ovelha pode ficar parada no mesmo local, comendo durante horas, até se esquecer por completo que o rebanho se foi embora e, ao ocaso do dia, não saber sequer como retornar ao bardo sem ser conduzida. Eu já vi muitas ovelhas e algumas cabras, menos pastores, e algumas pessoas tão parecidas com as primeiras.


Joshua M.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

J. D. Salinger - 1 de Janeiro de 1919 / 27 de Janeiro de 2011



Desaparecer

A propósito da morte de J.D.Salinger (por estes dias), retornei ao Dr. Pasavento - um clássico, entre as minhas fixações.

Ambos recusam obstinadamente a ideia de qualquer reconhecimento por via das suas obras mas, ao contrário de Salinger que, sem nunca ter abdicado do direito de não ser famoso, optou por uma vida recolhida, Pasavento tem a obsessão do próprio desaparecimento e da obra que produz.

O desvanecimento da sua escrita seria também o seu, convence-se, a dada altura.

Exercita nova caligrafia, reduzindo drasticamente o corpo da letra e substitui a impressão  forte da caneta pela leveza da marca do carvão. Desaprende o encaixe dos dedos, soltando ligeiramente o lápis enquanto escreve.
Quer dizer, enquanto...  já não escreve!

(À parte:)
Não, isto não é 'piretecnia'.


Iolanda Bárria

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012


Diz que é do tempo

Mas não é. Do tempo. É das coisas. Assim no geral. Das coisas que acontecem de forma inesperada. Dos scones que não foram porque um estranho ensaiava saxofone. De janela aberta. No primeiro andar de um prédio de traça antiga. Paralisando-me os músculos. É da magia do bosque que se perdeu, atraindo a magia da cidade em dia de castanhas assadas. É de quem cruza a esquinas de forma destemida. É dos receios insondáveis. Dos perigos que não são. E dos tremores. Dos ardores. Dos destemores...


Bruno Vilão

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012


EXCÊNTRICO

O meu pai era um homem alto, magro, de olhos azuis cristalinos e rosto perfeito. Era um homem estranhamente elegante que me habituei a ver à distância nos seus espaços de eleição: a sua secretária, onde lia e escrevia avidamente, e o canto do quintal, sob aquela imensa amendoeira que nunca, que me lembre, deu algum fruto.

Era um homem excêntrico, de uma excentricidade que me incomodava. Na forma de agir, de falar, de viver. Os seus hábitos escandalizavam. As suas palavras, sempre novas, deixavam-me inquieta. Era demasiado diferente dos demais para não me incomodar. Mas as suas leituras, os seus livros, os seus poemas permanecem em mim. Sinto saudades de o ver. Acordo todas as noites a olhar para os seus olhos azuis a devolverem-me um sorriso.

Não o vi morrer. Morreu sozinho. Só espero que tenha sido devagarinho, como se estivesse a adormecer.


Carmo Miranda Machado

terça-feira, 24 de janeiro de 2012


matematicamente

o que eu gosto mesmo
não é de me deitar com a gramática
o que eu gosto mesmo
é de foder a matemática
passar as tardes a contar homens múltiplos
passar as noites a contar orgasmos múltiplos
passar as manhãs a contar mentiras
a contar a todos o quanto ganho
a gabar-me de mundos e fundos que digo que tenho
omitindo o tanto que me tiras
o que eu gosto mesmo
não é de ter o jeito o dom ou a perfeição
nem a subtileza da poesia
o que eu gosto mesmo
é de ser tão hábil na minha ilusão
que dois mais dois somam sempre a minha fantasia
o que eu gosto mesmo
é de mentir cirurgicamente sem anestesia
e de acreditar como profissão
o que eu gosto mesmo
é de só contar petas
aldrabar no que quer que diga
a fingir ser uma rosa perfumada
ladeada pelas costumeiras enfadonhas borboletas
a espinhosa raiz quadrada
da faca que me plantaram na barriga
 
 
Renato Filipe Cardoso

domingo, 22 de janeiro de 2012

Provocatio


pan et circenses

entre o espaço
que vai da careta
de um palhaço
ao sorriso lareta
do petiz atento
vive o mundo
em contratempo
preso ao fundo
dum absurdo ideal
tenuíssimo fio
entre o virtual
e o desvario


Joshua M.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Crónica Benzodiazepina


can't buy me love

Se eu escrevesse numa revista feminina e a minha cara andasse a passear de autocarro, como na América, este texto chamar-se-ia muito provavelmente: “Como fazer vida de rica sem dinheiro” ou “Dez maneiras para viver à grande sem dinheiro”. Se fosse escrito em inglês, começaria por How to…, esse estilo de incomparável utilidade que tanto nos pode ajudar a perder dez quilos numa semana, como a conquistar o marido da amiga.

Mas como a escrita tem andado escassa, tal como o dinheiro na maioria das carteiras dos nossos empresários e publishers, decidi investir nas mágoas de grandeza - a doença que invadiu as artérias desta cidade, Lisboa que é a que melhor conheço, e das vidas dos pequenos urbanos, que são os que mais sofrem e riem em cima de si mesmos e das suas desgraças, e nos quais eu me incluo. Andamos cheios de mazelas, calos na criatividade de tanto caminharmos, nódoas negras dos encontrões e atropelos aos nossos caracteres escritos, às nossas devoções e paixões. Os mais afortunados têm empregos, os mais aflitos têm trabalhos no regime de cargas e descargas pesadas, e os mais desenrascados têm ambos. (Não vou falar dos desempregados, porque quebra-se a futilidade deste texto). Todos nós ainda estamos para saber como vivemos e chegamos ao fim do mês sem necessidade de voltarmos para casa dos pais. Mas andamos felizes e contentes ainda assim. Não somos muito normais. Ainda agora no facebook “disse” que ia a mais uma festa de abertura de um bar no Cais do Sodré. A vida é bela. No outro dia fui jantar sushi e bebi cosmopolitan. Claro que no dia anterior tingi o cabelo com tinta do supermercado, descansada porque há uma actriz linda e boa, da série Lost, que mente magnificamente na publicidade a dizer que também o faz. Dez euros e noventa cêntimos, em vez dos cento e tal que gastava há uns anos a fazer highlights, dá para fazer uns estragos de cosmopolitans de vez em quando e, a bem dizer, só o olhar clínico de um profissional perceberá que o castanho chocolate que trago ao vento não é igual aos tons que a expert em fashion color me aplicava no Toni & Guy.

Mas este texto começou há uma semana e tal quando um amigo pequeno urbano, recentemente migrado para a capital, me confidenciou: “Gostava de ter dinheiro para a vida que levo”. Eu acho que este início de texto, escrito na rua, à esquina de uma festa, diz tudo.

Para não estragar a frase, "se ele morrer primeiro eu gostaria de escrever no seu obituário", resta-me pedir desculpa a todos os que ao ler este texto pensavam que iam encontrar dez maneiras de fazer vida de rico sem dinheiro. Mas é simples. Substituam neste texto, à medida das vossas tentações, a tinta do cabelo por outras coisas das quais em tempos achavam que não conseguiam abdicar, e os cosmopolitans e o sushi por outras tantas de que gostem ainda mais, e têm o segredo. É a New Age dos pobres de ouro, mas ricos em sonhos. Só não percam é o espírito.
 
 
Ana Santiago

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012


POEMA DE TERNURA

Ela pegava nos bichos com as duas mãos e depois vinha-mos mostrar com um sorriso traquino de gaiata nunca convencida de que o Sol brilhava nos seus olhos. Um dia eu fui à livraria da cidade e comprei-lhe um livro muito grande com estampas de animais domésticos que haviam de alegrar a sua juventude. Depois de lho oferecer ela apenas me perguntou por que é que tinham posto letras nos animais e lhes haviam chamado de domésticos e eu não soube que lhe responder. Fiquei muito sério a olhar para ela e um sorriso iluminou os nossos lábios. O Universo que tínhamos nas nossas mãos era o mundo colorido da nossa imaginação. E hoje que crescemos os dois eu nunca posso esquecer aquela linda menina loura que nasceu no campo para ser gaiata, forrar as minhas paredes de um azul muito claro e brincar com os meus cabelos chamando-me Papá.


Paulo Brito e Abreu

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012


Bang Bang

Por breves instantes desviei-me do arbusto que me resguardava os sentidos. Não totalmente, que isso de passar da total camuflagem emocional para nu no deserto vai uma distância tão díspar como do Bang Bang da Nancy Sinatra para o original da Cher. Desvendei-me um pouco apenas. O suficiente para pensar: “Eu devia saber melhor”. E devia. Mas o impulso é sempre mais intenso, mais mágico e mais profético (e por que não dizer mais sonhador) do que o espartilho que amestra as acções.

Suavizo-me por sentir ter conseguido reavivar um furor que julgava perdido algures no tempo e por ter consentido que conquistasse o direito a expressar-se, da forma excessiva e por vezes intimidante que me escorre dos dedos, da pele e de um certo indistinto instinto. E esta ínfima distracção valeu-me um infalível Bang Bang que me implode no peito.


Bruno Vilão

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012


Todos os actos de uma farsa

Sou uma fraude. Tudo em mim é falso. O eterno sorriso, a conversa fácil, a segurança, o belo marido. Tudo, menos esta dor de viver.
Nada, nem ninguém me toca o coração. Não consigo sentir alegria nem prazer. Apenas um aperto no coração que me tira o fôlego. Ah, mas sei fingir com perfeição. Faço o papel da esposa perfeita, da nora ideal, da amiga que todos gostariam de ter. Se eles soubessem, se eles olhassem para além da minha imagem, se olhassem bem dentro da minha alma, veriam a escuridão e o abismo, a ausência de sentimentos por quem quer que seja. Os dramas dos outros não me afectam, nem mesmo daqueles a quem supostamente eu amo. A morte, as desgraças alheias? Sou invulnerável a tudo isso. Apenas o que sinto me importa, me angustia. E o que sinto é por mim, por mais ninguém.
Às vezes penso que poderia ter sido uma belíssima actriz. Represento a minha vida feliz e pacata com todo o requinte. O turbilhão dentro de mim é invisível para os outros.
E tenho inveja, uma inveja doentia de todos aqueles que me parecem felizes, daqueles que têm riso fácil, a capacidade de achar graça a qualquer disparate, tenho inveja dos que se riem da sua própria desgraça. Tenho inveja dos que sofrem por amor ou por perda.
Fui a criança modelo, a menina bem comportada, a aluna brilhante, a adolescente bonita e ajuizada, a filha perfeita, a jovem adulta consciente. Nunca fiz nada que surpreendesse os outros pela negativa. Fui sempre tudo aquilo que esperavam que eu fosse. Nunca tomei uma atitude que não fosse adequada e esperada. Nunca desiludi ninguém, além de mim própria. Hoje sinto o meu coração cheio de raivas antigas, fúrias acumuladas, atitudes contidas, palavras engasgadas e não sei o que fazer com elas. Sinto que a qualquer momento a farsa vai, por fim, acabar.


Missanga

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Palavras Versadas


UNS OUTROS DEDOS, TÃO ÍNTIMOS

uns outros dedos, tão íntimos
e a partir daqui liberto-me, nada
é um espírito
por mais de um segundo.
parte de mim
parte para representar
a marcha lenta
do meu dilúvio crescente
e periódico.
e eu ligo à minha mãe
e ao meu pai
mas é um tempo passado, um passado
remoto que vejo a partir
de um futuro também remoto, um futuro
sem imagens, embora com sons,
sons que são o picotado do silêncio.
uns outros dedos, tão íntimos,
recortam pelo picotado, dizem
agora, comparam a cinza e o medo.


Sylvia Beirute

domingo, 15 de janeiro de 2012

Provocatio


Nunca ou estar mesmo a pedi-las

Os puristas da liguagem emocional dizem que nunca se diz "nunca". Que o "nunca" atrai o que nunca, sabemos nós, queríamos.

Viver no campo. Correr. Andar de bicicleta. Dedicar-me à agricultura. Não trabalhar. Ter três anos de licença de maternidade. Acampar. Ser vegetariana. Fazer depilação em casa. Não sair à noite. Ver documentários sobre bichos. Ser fã futebol. Costurar. Coser meias. Bordar. Pescar. Escalar. Deixar ver os cabelos brancos. Falar com as plantas.

Que Deus não permita e me tire o "nunca" da boca.


Ana Santiago

sábado, 14 de janeiro de 2012

Crónica Benzodiazepina


Crónica feminina

Um dia, reparei numa mulher que vendia peixe, havia qualquer coisa de peculiar nela. Desde esse dia, quando por acaso passava pela porta do mercado, detinha-me sempre por alguns instantes a admirar aquela rara criatura . Certa vez, adiei-me num olhar, num olhar de mirada certeira e clínica. Observando a marchante das delícias de Poseidon extasiado: a forma breve como amanhava e embrulhava o peixe; a convicção com que dizia cada caralhada; a suavidade ríspida com que escamava, tanto a corvina como a pescada. Estava, sem dúvida, perante uma mulher de pêlo na venta e desenvoltura na língua. Cheguei a temer que reparasse no meu silêncio investigador, não queria ser notado, não queria interferir no objecto da minha observação, limitava-me a examinar discretamente. Lá estava ela, de mangas arregaçadas, lenço à cabeça, ora a limpar as mãos a um farrapo, ora deitando mão da sacola de estopa onde guardava o pecúlio das vendas. Olhava em redor, desconfiada, de todos, de tudo, a cada vez que deitava mão à sacola do dinheiro. Depois cuspia no lenço, que voltava a enrodilhar no bolso – onde guardava também as chaves, alguns trocos, toda a sorte de escória. Finalizava a higiene nasal com a parte exterior do antebraço, erguia a cabeça, e descansava a mão na anca armada em pose de varina. Olh'ó cabrão... Q'antos são eles? Ólh'ó tenrinho! Tens picha p'ra mim, ó quê? Soltava graciosamente, quando à boca pequena lhe pediam descontos, ou em surdina suspiravam pelo favor dos seus encantos. Era ela, a mulher comum, a Mulher em toda a sua plenitude e genuinidade, em toda a sua feminilidade de Eva original. Era ela, ainda, mãe de três filhos e avó de dois netos.
Guardo nostalgicamente a sua imagem na memória: a cuspir no lenço, a apregoar, aos pontapés às cabeças de pargo e de goraz, perdidas pelo chão vermelho da velha praça. Era ela, esplendorosamente ela, em toda a sua graça e delicadeza. Uma vez, dizem, agarrou pelos colarinhos a um mau pagador, encostou-lhe a faca aos ditos e jurou deixá-lo istérilico... se o carcanhol não morasse em casa dela no dia seguinte. E morou, afirmam algumas testemunhas, vendedeiras das bancas vizinhas. Contam outros que, antes de tudo, pegou num farrapo encardido e limpou a faca tanto quanto a bodeguice do pano a deixou. E tudo por bem, porque se não assustasse verdadeiramente o relapso devedor ainda teria de o riscar do "rol dos caloteiros" à faca, o que resultaria num triplo prejuízo – sujidade, tempo e dinheiro.
De salientar que, naquele momento de emoção violenta, onde qualquer homem perderia a cabeça, esta mulher manteve a frieza, a presença de espírito, distinguindo-se dos demais nos meros detalhes de puro asseio e respeito pela vida humana. Comovem qualquer um: a sensibilidade, o espírito compreensivo, o amor (quase fraternal), a magnanimidade com que adoçou o pagante. Porque esta mulher representa todas as peixeiras, esta mulher representa todas as mulheres, esta mulher representa todos os homens, os que pescam o peixe e os outros.
Subjugado pelo seu magnetismo, comentava comigo mesmo, como era bom que... Momento em que fui atingido por um polvo com odor a três dias de banca (em degelo acelerado), alvo da sua ira. Ao recuperar da pancada, apercebi-me que a mulher, em alvoroço, vociferava contra mim: Aquel cabrão, estavá'li prantado a olhar p'ra mim há mai d'um quarto d'hora! Sem outra saída, que não a da fuga, precipitei-me numa correria em direcção à porta da praça e segui o trilho do amarelo do “eléctrico”. Estava atrasado para a reunião, tresandava a peixe, tinha de me apressar. “ – Táxi, táaaaxi!!!” Já tinham visto alguma varina de calças? Nem em Alcântara, a Rosa Agulhas...! Ah, quase me esquecia, quando fui atingido pelo pescado sentia uma estranha tranquilidade, animado pela certeza de que "a mulher de sonho" em nada se assemelhava à minha varonil heroína. Para bem delas, para nosso bem, para bem da humanidade. Parabém, a ela! Parabéns, a todas elas!


Joshua M.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012


Sinceramente, quero que sofras. Sim, quero que sofras (intensamente). Quero que te contorças no chão de tanta angústia que te consome, quero que desesperes, quero que te julgues morrer aos poucos, quero que pese em ti todo o mal impingido e quero que sintas a lucidez fugir-te por entre os dedos das mãos já frias. Enxerga-te, diz-me o que vês. Conheço em ti um rosto velho e vazio, sem vida. Um rosto que não sabe sentir, não sabe chorar, não sabe ver, não sabe viver.

Sim, quero que sofras (profundamente) e que lamentes tudo o que foste, tudo o que és, tudo o que serás. Porque no fundo... No fundo tu bem sabes que vagueias por aí e invejas e roubas tudo o que não tens, tudo o que não és, e tudo o que és incapaz de ser.

Sinceramente, eu quero que sofras...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012


Desabafo

Estou exausta. Há pessoas que têm a capacidade de nos sugar a energia vital. São óptimas a tentar culpar os outros pela sua infelicidade, por não agirmos do modo que esperavam, por não correspondermos a determinados sentimentos. Há pessoas que nunca se sentem responsáveis pelo modo como vivem a vida. São os outros que as condicionam, que as fazem sentir miseráveis. Há pessoas que vestem a pele de vítimas e nunca são elas que estão mal, são sempre os outros que não percebem como são desgraçadas. Ando cansada destas pessoas, dos sentimentos mesquinhos, de dar por mim a sentir que talvez pudesse ter mais paciência, de, involuntariamente, sentir culpa por situações que nada têm a ver comigo. E sinto pena. E raiva por sentir pena. E sei que preciso de me afastar. Não se suplicam sentimentos. E também não se exigem.


Missanga

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012


No 44 é assim

Lisboa.

Viagem no 44, até aos Cais do Sodré.
Desfocada, sim, mas o meu LG GS290 não dá para mais. E eu também não quero mais. Já a revi por diversas vezes (com som, sem som, a partir do meio, só o fim...) e consigo encontrar sempre elementos novos. Já para não dizer que isso me dá sempre novas perspectivas da viagem e dos locais. Desconfio que tanta fartura derive do esforço que eu faço.

A minha perdição é aquilo que, até onde a vista alcança, não aparenta qualquer interesse.
Porque pode não ter mesmo interesse nenhum.


Iolanda Bárria

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Palavras Versadas


SÉTIMO SALMO

Amor, que homílias unes e adunas
Por veredas da casa, eclesial,
Acidália pousada sobre as dunas
Ou nas águas do tálamo Ideal...
Amor, que és o almagre e sumaúma,
Amor, em tom cereja d'organdi,
Penso em Ti, na alvorada que ressuma
E à Noute, madrugada, penso em Ti.
Ericina do Eros, Citereia,
Divisa aqui o divo e o dilecto:
Que farta fonte serve uma sereia!!!
Que de mirto, em Arcano e Arquitecto!!!
Amor, em cujas aras eu sou crente,
Menina, que és Maria, ou que és matina,
Tu olha-me do nicho, sorridente,
E seja o Teu sinal a minha sina.


Paulo Brito e Abreu

domingo, 8 de janeiro de 2012

Provocatio


Out of focus

A grande dificuldade, o cabo mais difícil de dobrar, é aceitar que todo o significado do mundo fui eu que lho dei, e achando-me também a mim nesse ponto de vista único, acabei por perder a noção da sua causa, quebrando o elo que me permitiria voltar atrás e mudar a definição.


DuArte

sábado, 7 de janeiro de 2012

Crónica Benzodiazepina


Homens temporariamente sós

A vida não está fácil para os homens trintões. Tenho uma série de amigos que vivem sós, com existências intercaladas por encontros sexuais fugazes e relações que deixam mágoas e conduzem a um ateísmo amoroso de que não há memória. No outro dia um deles desabafou: o que raio querem as mulheres? Eu, que tenho sempre qualquer coisa a dizer, fiquei sem resposta. Nem as mulheres sabem o que querem. Essa é a verdade. Ou, pelo menos, nem sempre sabem o que querem. Umas vezes queremos umas coisas, outras vezes o contrário dessas... A única resposta cabal que ouvi nos últimos tempos foi somente esta: gosto de um homem que me faça rir todos os dias! Sinceramente não a compreendi... Mas isso fica para outra altura. Ontem disse a outro amigo (que acredita que um amor a sério nunca se repete e que a oportunidade dele já passou) uma coisa verdadeiramente estúpida: os homens não podem tratar as mulheres bem demais. Que grande parvoíce esta. Nem sei o que queria dizer com isto. Só sei que, mais cedo ou mais tarde, a maioria dos meus amigos trintões solitários vai acabar por casar com alguém que está à mão de preencher um vazio, compôr a casa, constituir família, etc., sem glória, sem paixão, sem um pingo de desilusão sequer... Aquela que sempre advém de um grande amor!


Ana Santiago

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012


Vidas Vencidas

Para me vencer, passei por ser vulto moldado à imagem do velho mundo que inventaste para nós. Andei parado e tanso como um lapuz, andei incapaz de soltar a voz cativa. Mas, como sempre estive preso à rebeldia das revoluções, fui lambendo as feridas desertas susurrando a mim mesmo que um dia teria de acontecer um dia outro. Relembro agora o teu sacrário de dogmas sentimentais revisto e banalizado que me condenava nos nossos melhores dias de tédio. As tuas orações a um idealizado imobilismo passional davam-me a fé de acreditar que existia além outra vida, onde me bastaria viver a recordação para lá de tudo o que fomos, sentindo apenas o látego da consciência a fustigar-me a memória.

Não, nós não estávamos sós, nunca estivemos sós. A vida acontecia num palco à escala global de um salão: havia cadeiras vazias, havia cadeiras ocupadas por corpos ausentes e presentes, havia espectadores ensaiando uma conversação ao canto da sala. Representavam, displicentemente sentados em poltronas de atalaia, fumando uma pausa de conversa. Eram gente perdida na circunstância de estar apenas a ver passar a vida dos outros, só para se sentirem felizes com o menos-mal que eles próprios sofrem quando vêem alguém sofrer outro tanto ou mais. Às vezes, sentíamos pedaços de olhares, como cabelos intrometidos entre os beijos que emprestávamos ao carinho prometido e nunca incondicionalmente dado.

Afinal não estávamos afastados, estávamos ambos sós, lado a lado, seguíamos juntos e muito separados por vidas nada convergentes, por vivências muito paralelas. Sempre ao lado um do outro, sempre agarrados à esperança de não nos voltarmos a descobrir num qualquer cruzamento da estrada depois de nos perdermos do caminho um do outro.


Joshua M.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012


Ao cair do pudor

O comentário da sua amiga não lhe saía da cabeça. Nessa noite não conseguiu pregar olho. Faltava-lhe muito pouco tempo para acabar a universidade com excelentes notas e sem perspectiva de emprego. Queria sair da casa dos pais e não via como. De madrugada desistiu do sono e levantou-se. Deteve-se em frente ao espelho. Era alta, bonita e dona de um corpo em excelente forma. Não seria uma top model mas sabia que os homens se viravam à sua passagem. E sabia seduzir. Gostava de seduzir. Não tinha namorado. Ia somando aventuras de curta duração umas atrás das outras. Gostava de variar. Ter sempre o mesmo namorado parecia-lhe tremendamente enfadonho. Sabia perfeitamente que, na universidade e entre o seu grupo de amigos/conhecidos, tinha fama de “puta”. Não a incomodava. Gostava de sexo, muito. E gostava de mudar de parceiro cada vez que lhe apetecia. Mas agora aquele comentário da sua amiga tinha-lhe tirado o sossego: “Se eu gostasse tanto de sexo como tu fazia render a coisa.”

Alguns anos tinham passado desde essa noite. E agora, no percurso de táxi até ao aeroporto, voltara a lembrar-se da sua amiga e daquela frase. Não podia, contudo, deter-se em recordações. O táxi parou. Ela apeou-se, acomodou-se no seu caro casaco de peles e foi ao encontro do cliente com quem iria numa viagem de negócios.


Missanga

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012


Enche-se de Invernos a minha existência

Imprevistos em linha recta são mais fáceis de gerir. Imprevistos em plena curva acentuada originam despistes. Despisto-me. De forma épica. Antes assim. Não é impunemente que se desejam coisas. E se andava há séculos a citar o Verlaine, "como um brigue perdido entre as ondas do mar", com a alma a perseguir um "naufrágio maior", agora resta-me apertar as pálpebras e premir os lábios. Porque enchem de Invernos a minha existência.


Bruno Vilão

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Palavras Versadas


OFERECENDO A VIDA

O amanhã é sempre inacessível
amanhã e hoje e ontem

Procurar o infinito é descobrir o impossível
Saber que não se existe
é conseguir a existência


João Belo

domingo, 1 de janeiro de 2012

O PRIMEIRO DE 2012 - Provocatio



Well, you can come, 2012!

Não comeces sem mim 2012, que eu estou mesmo a chegar.

Em português, cama, mesa ou cadeira são palavras femininas. Em russo, não. Cadeira, por exemplo, é do género masculino.

Alexandre Soares Silva refere-se ao português do Brasil como a 'língua quase-portuguesa'. Acho muito acertado e terno, até.

A natureza pode ser brutal e, muitas vezes, odiosa.

A esperança não é uma ameaça. Não pode.

Gosto muito de vozes. Vozes normais.

Tenho muitas saudades suas, Joaquim (ninguém mais me oferece Torga, ou Thelonious Monk).

Vivam os livros parvos! - e, já agora, os diospiros e a geleia de fruta! ligam lindamente uns com os outros.

Há economistas por todo o lado.

Guantanamo continua por 2012...


Iolanda Bárria

O PRIMEIRO DE 2012 - Crónica Benzodiazepina


O recheio dos sonhos

Caminho vertiginosamente em direcção ao novo ano com a cabeça cheia de ideias e a alma cheia de sonhos. Em plena crise e desgraças diversas, sinto que tenho caminhado entre os pingos da chuva. Ainda assim, reduzi drasticamente o consumo, o que, parecendo que não, é uma chatice, porque gosto mesmo muito de comprar roupas, perfumes, sapatos e livros. Troquei os restaurantes pelo aconchego das casas dos amigos, porque afinal o importante é estarmos juntos. Receio que as viagens, que eu adoro, sejam adiadas para “um dia destes”. E, pela primeira vez, sinto vontade de fazer uma lista de ano novo. A minha, contudo, será recheada de sonhos possíveis e de sonhos impossíveis. Empenhar-me-ei em ambos, sabendo que o impossível só requer mais esforço e empenho. Olho para trás, para o ano que termina, e percebo que, para mim, sem ser um ano extraordinário, foi um ano simpático, repleto de pessoas e afectos. 2011 está a terminar, deixando promessas. Lá à frente está 2012, novinho em folha, pronto a estrear. Não quero que seja só simpático. Quero que seja estonteante de tão bom. Quero-o repleto de todas as coisas boas que o dinheiro não pode comprar.


Missanga