quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


O rosto que (re)invento sob esta máscara 

A máscara é o nosso semblante reinventado, o nosso avatar eleito, o nosso “eu” propositadamente deformado. A caricatura que nos apresenta uma outra e a mesma criatura. É o nosso alter ego, a face que damos para esconder a que não mostramos. A máscara – dizem – é uma porta. Contudo, não a vejo como porta funcional: não se pode entrar por uma máscara adentro. Mas antes, como um par de janelos ou portinholas de uma cela fechada, por onde se esquiva um olhar (com ar de caraça) e a ânsia de uma outra verdade. E se, por acaso, a máscara fosse uma porta, seria uma porta trancada, vista de fora; e uma porta por abrir, vista de dentro. Entrar dentro de um disfarce é muito difícil; sair dele, nem sempre é fácil. Já me escondi dentro de uma falsa aparência para fugir à vergonha de um imprevisto, para evitar ouvir as mil e muitas estórias sempre repetidas do vizinho do lado, para sobreviver simplesmente... O rosto por detrás da dissimulação traz-nos a comodidade de podermos ser nós sem termos de ser nós. A carne nua pode ser pintada de vermelho, de azul ou de qualquer colorido sobrenatural. Dentro de nós podem ganhar vida deuses, heróis, santos, figuras mitológicas extraordinárias, anões, gnomos, bruxas ou apenas almas de acidentais festejantes de carnaval – uma máscara é sempre outra fisionomia, sempre um outro "eu" que não o "eu" próprio. Pode cobrir todos os sentimentos, ocultar todas as paixões; pode dar todas as caras possíveis e inimagináveis ao rosto que oculta. A ocultação da verdade objectiva é a raiz criadora do fruto da imaginação. Na sua relação com a máscara, o mascarado adere inicialmente à personalidade da máscara, depois cria uma terceira personalidade, entre a que possui de cara descoberta e a que lhe confere o rosto da máscara. Numa máscara, em cada máscara que oculta um rosto, há inilidivelmente uma trindade de pessoas distintas e uma só, a mesma, reinventada desta e/ou daquela forma. Uma espécie de santíssima trindade sem santidade, um uno e trino pagão e dogmático, cujo mistério reside em esconder uma realidade anterior – onde a falsidade é passageira. A realidade posta em cena existe sem existir, efémera e transitoriamente, até se depor a máscara e a trapaça que ela própria representa no palco da vida. É o que acontece com todas as trindades – mágicas ou divinais –, ao cair do pano desvendam os seus esconderijos tamanhos, cheios de fantasmas e de castigos. Ou abrem à plateia, tão só, uma realidade de existência morna e lenta em modo de sobrevivência. E os segredos de amor por detrás da caraça? Esses são venturas, não são coisa que se ande por aí a dizer ao vento, bem sabemos que ele assobia tudo a quem passa.


Joshua Magellan

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