sexta-feira, 30 de novembro de 2012

PALAVRA EXPERIMENTAL (VI)


PRETO; BRANCO 

...preto.
.....e depois branco. branco que se
..........sobrepõe
.............ao preto.
......................um gato.
..........branco ou preto?
.....um gato.
amarga junção de mãos.
........................a minha
.........segurando o animal.
......a fazer cores.
...............e os nervos poligâmicos duram
...........para além do primeiro limite
.....do silêncio
..............branco.
.................ou preto.
.........o silêncio-gato
.........o silêncio são.
...........................denominador comum.
o silêncio da cor da boca fechada.
...................tão frio. tão esférico. tóxico.


Sylvia Beirute

quinta-feira, 29 de novembro de 2012


Alucinações?

Estava mesmo assustada, ali, perdida na floresta. Andei sem parar e tudo me parecia igual. Sentia-me mortificada. Nem sei como raio me tinha perdido dos outros num sítio daqueles. Estava completamente desorientada. Afinal sou da cidade e ali tudo me era estranho, sem um único ponto de referência. Caminhei devagar tentando evitar os obstáculos naturais. Cheguei, por fim a uma clareira e vi uma pequena cabana. Mirei-a com atenção: era de chocolate e pão-de-ló e barrigas-de-freira e ovos-moles de Aveiro. Pensei logo que não devia ter comido a fruta que encontrei pela floresta. Estava a provocar-me alucinações. Passei, a correr, ao largo da casa e continuei a caminhar. Algum tempo depois cheguei junto a um rio. As suas águas eram amarelas e paradas, diferente dos outros rios. Subitamente avistei, na margem, um homem da idade de Matusalém. Estava dentro dum barco e fez-me sinal para entrar. Primeiro nem tive reacção. Depois virei-lhe as costas e fugi apavorada. Caramba, só podia ser o barqueiro do diabo e o rio era, certamente, o Hades. Andei sem rumo mais algum tempo, até quase chocar com um espelho enorme e grotesco encostado a uma árvore. Pensei, de novo, que aquilo não podia estar a acontecer. Desviei-me do espelho pronta a recomeçar a minha marcha. “Claro que há mulheres muito mais belas que tu. Muitas mesmo.”. Eu nem queria acreditar, mas o espelho falou-me. Voltei-me para ele e olhei-o de longe e quando dei por mim estava a dizer-lhe que não lhe tinha perguntado nada. Ele soltou um sorrisinho desdenhoso e respondeu-me que só quis que eu ficasse a saber que nem por sombras era a mais bela. Num ápice atirei-lhe uma pedra que o estilhaçou em mil bocados, enquanto ele gritava impropérios, e disse-lhe que também havia espelhos em muito melhor estado que ele.
- Isso não te aconteceu, certo?
- Aconteceu pois. Vinha a fugir da floresta e apareceram-me todas estas coisas no caminho. E também uma bruxa e uma fada.
- Deves ter dormido uma sesta debaixo de uma árvore e sonhaste tudo isso.
- Será? Mas ainda bem que te encontrei. Já estava aflita.
- Eu também, por um beijo teu. O espelho era um tonto. Tu és a mais bela.
- Humm, queres um beijo meu?
- Muitos – Respondeu o sapo com doçura.


Missanga


quarta-feira, 28 de novembro de 2012



Diz que me amas

Quando o amor se confunde com essa estranha forma de negócio, onde uns sustentam outros, surgem ilusões vãs de nós próprios, surge um amor incapaz de manter a alegria para além de um instante.
E é esse o maior contra-senso, confundir amor com diferença, onde o outro tem aquilo de que eu preciso, de que dependo, para ser íntegro e ter paz. É um peso tão grande quando alguém depende de nós, principalmente quando também nos vemos nesse papel frágil e carente, dependentes de tantos outros.
O amor passa a ser uma corrente de necessidades onde ninguém se pergunta de onde virá o alimento. Somos pedintes de amor. Amor que não temos, mas juramos aos outros se eles nos jurarem o deles. É uma corrente tão frágil que não aguenta. 


DuArte

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Palavras Versadas


vagabundo

tens o deserto apertado na mão
a chuva a bater na janela
o teu peito é lavado de aguarela

és o pão de fumo no despojo da noite escura
transformas a levedura

cresces no desespero dos dias simples rasgados
cavalgas a lua
que nos escuta encantados

sabes a mar. amor incontido na espuma
maré irreverente
guardas um sorriso de concha
o transbordar repente

portada aberta da tua pele vejo o mundo
estou em ti quando nele
renasço em ti vagabundo

vejo-te através da vidraça e das gotas
abraçadas nela
és desigual de tão bela


Renato Filipe Cardoso

domingo, 25 de novembro de 2012

Provocatio


Desabafo

Filha da Puta, sua grandessíssima filha da puta não passas de uma filha da puta disfarçada de outra coisa qualquer. Que partas uma perna e também o braço do mesmo lado, sua grandessíssima filha da puta abusadora e desrespeitadora. Ficaram-te restos de graxa escondida nas unhas, tens de as esfregar melhor, essa graxa barata é difícil de sair das unhas. Tresandas a graxa barata. Lava as mãos, grandessíssima...

(E faz dieta que estás cada vez mais gorda!)


Iolanda Bárria


sábado, 24 de novembro de 2012

Crónica Benzodiazepina


Isto é um amor em tempos de blogue!
 
Sempre imaginei os “amores em tempo de cólera”! Não em tempo de blogue!
Estou a falar do amor pelo meu país!
Hoje vou ter mais um almoço de despedida!
Nunca imaginei ter uma agenda recheada de marcações de almoços que se atropelam e se atamancam, uns aos outros, pelas piores razões! O Adeus!
Uma espécie de “escolhe-me a mim”, “escolhe-me a mim”, que em vez de me fazer rir só me faz chorar!
Os meus amigos estão a abandonar o país!
Este país que é abençoado por um sol tão desejável, que tem uma luz incomparável, um povo que foi o 1º a abolir a pena de morte, que criou a palavra Saudade, que desvendou o mundo, que criou o Fado, que está entre os países com maior número dadores de medula óssea, que…!
Está neste momento a viver uma história como a dos grandes amores falhados! Tem tudo para dar certo, mas parece terminar antes do tempo!
Hoje era suposto ir alegremente comer o cozido á portuguesa da 4ª feira!
Um almoço de cozido á portuguesa, acompanhado de um tinto do Douro e rodeada dos Amigos, é sempre para mim um momento de grande aconchego!
Hoje o almoço vai ter tudo isto, mas infelizmente vai ter um “Adeus”!
Um adeus com muita tristeza! Um adeus com muita mágoa! Mais um adeus que me deixa um grande nó na garganta! Mais um adeus que me cria muita revolta!
Eu não vou querer chorar! Eu quero ser forte! Mas não sei se vou conseguir! Estou muito revoltada!
O sol já não é suficiente para me deixar bem com a vida!
Sinto-me completamente impotente perante estes acontecimentos!
Não sei o que fazer! Acho que no fundo estou aqui a pedir-vos ajuda!
Não podemos deixar que isto aconteça ao nosso país!
A minha amiga vai embora! Um amigo meu do coração deixou ontem o país!
Outros já estão a fazer as malas!
Sempre soube que são quase sempre as vergonhas minúsculas que nos levam às grandes humilhações!
Não ter emprego, não ter que comer, não querer viver na dependência de outros!
Os meus amigos estão a deixar o país! Uns estão desempregados! Outros estão a ganhar um salário miserável e indigno!
Digo miserável e indigno porque não é o suficiente para criar dignamente os filhos!
De PEC em PEC afundaram o nosso país!
A mentirinha é muito pior que a mentira! E de mentirinha em mentirinha qualquer dia temos um país moribundo e cheio de vagões de pessoas a dizerem “ Adeus”!
Isto pode parecer uma visão terrível e derrotista! Mas não o é! Antes o fosse!
Pensem no que vai acontecer em Janeiro de 2013! Só a título de exemplo:
 - Vão ser mais de 100 mil desempregados na função pública; a redução do subsídio de desemprego e do RSI, entre outros vai ser de pelo menos 10%; a subida do IMI é inaceitável e intolerável; os idosos, os doentes oncológicos e os desempregados vão deixar de estar isentos de taxas moderadoras…
Os nossos governantes estão a pilhar impiedosamente um a um os nossos direitos!
A nossa democracia está a ser selvaticamente exterminada por uma cambada de governantes insanos, prepotentes e maquiavélicos!
Já estamos indecorosamente a ser pilhados não só nos nossos bolsos, mas, e pior, do que isso, nos nossos sentimentos, nas nossas esperanças, nos nossos sonhos, nos nossos afectos pela ausência dos nossos filhos, dos nossos amigos, dos nossos familiares!
A hábil retórica da ausência de alternativas é típica dos que querem fugir, mas, não antes de deixarem a sua marca, o seu rasto! Uma espécie de canídeo a marcar território!
As medidas destes políticos medíocres e incapazes de olhar a não ser para o seu próprio umbigo, estão a contribuir para uma sociedade desigual, injusta e insustentável!
Todos os sectores da sociedade já se manifestaram pelas mesmas razões: contra as medidas de austeridade e contra o abuso de poder de que estamos a ser alvo!
Mas porque é que as manifestações são em dias diferentes? Em lugares diferentes? O que é se passa?
Assim só estamos a banalizar o direito à indignação! o direito a dizer basta!
Porque é que não nos manifestamos todos juntos? Todos no mesmo dia? Todos á mesma hora?
Afinal o amor que nos move a todos não é o mesmo? É!
É o amor ao nosso país! Às nossas vidas! Às vidas dos nossos filhos!
Por favor não podemos continuar a permitir que os nossos filhos, os nossos amigos, os nossos familiares se vão embora!
Vamos marcar um dia e uma hora! VAMOS LUTAR TODOS JUNTOS!
Como diz alguém muito sapiente vamos todos lutar como se “A vida num só dia”.
Não podemos desistir! É agora! Está na hora!
Aos meus amigos, aos que ainda estão a fazer as malas, mas, e nomeadamente, aos que já foram para outros países, quero aqui dizer-vos que não vou ficar quieta!
Que vou lutar para inverter a situação! E acima de tudo que vos amo muito! 


Maria Paula Elvas

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

PALAVRA EXPERIMENTAL (V)


euromilhões

precisamente às vinte horas e trinta e um minutos de sexta feira o planeta inteiro assiste placidamente à formidável extracção do euromilhões enquanto é invadido por maçãs adúlteras assadas no corno e por tangerinas que se declaram doces, muito mais doces... do que aquilo que as más-línguas apregoam por pura maldade adstringente sensivelmente a essa hora uma horda de pirralhos clinicamente obesos e estereotipadamente ranhosos renuncia ao direito fundamental de comer fruta extraterrestre após o jantar abandonando a mesa sem negociações para se dedicar convulsivamente à extracção de macacos não-hidráulicos do nariz metido onde não foi chamado também a essa hora fatídica a parelha de amigos de infância e do alheio carlinhos «flecha» e alípio «dedos leves» dedica fervorosa e carinhosa a mente ao aperfeiçoamento da extracção de identidade aos transeuntes incautos de ruas escuras recorrendo ao método artesanal de esticão que viram aplicar na tv por uma certa classe média-baixa e baixa de políticos a essa mesma hora um dentista efectua a extracção do último dente do dia mas que felizmente não é o último da paciente uma polaca bacteriana e fúngica que afirma que gosta muito de cá estar enquanto na maternidade está praticamente no fim a extracção com fórceps de uma criança antes do tempo ao útero esgotado da mãe depois do tempo que já antes incorreu noutra extracção ainda nessa mesmíssima hora piadas e risos a circulam no afã esterilizado dos corredores da urgência do hospital provocados pelo gás saboroso e tóxico de uma vítrea garrafa de coca-cola marca afamada e conspícua que insolitamente quis deixar a sua marca no ânus de mais um cliente satisfeito e cuja extracção já não tarda nessa altura numa velha mina do chile um humilde mineiro do chile há 11 meses submerso na extracção do minério do chile e desde há um mês soterrado pela terra do chile acaba de ser salvo alvo de extracção da mina reencontra a mulher que traz nos braços um fruto de extracção inexplicável ou mais improvável que a chave do euromilhões olha para o céu sobranceiro e agradece a deus por já nem saber de que terra é ao mesmo tempo termina noutro canal de tv o apreciado episódio diário da série do costumeiro jogo de sorte e azar só ao alcance de testas de ferro peles de galinha e nervos de aço em que um adivinho aparvalhado de fato e gravata e pó-de-arroz na desgraça se dedica à extracção de bolas de um saco incolor onde estão inscritas notícias que canta e que quer sejam quer não sejam nos retiram prémios à mesma hora tomo café mexo com a colher e tomo consciência de que nunca acertei em nada, verdadeiramente, que fosse digno de extracção nem alguma vez me favoreceram os jogos e que do lado de fora da sorte a minha verdade é sobretudo dedos a quererem tocar dentro desde que a minha mãe me disse agarra no coração pelas asas e vai à tua vida


Renato Filipe Cardoso

quinta-feira, 22 de novembro de 2012


Caminhante, tu és o caminho! 

Depois de morrer o homem ergueu-se do cadáver e caminhou direito ao imo de si próprio. Titubeou inicialmente como se aprendesse o controlo dos músculos mas traçou sem receios, com a segurança de um cartógrafo judeu, os seus passos objectivos. Afinal a vida que acabara de perder não era mais que uma vida. Ela estava lá ao fundo. Lá junto à luz que o guiava e lhe alimentava a esperança e o esforço. Era preciso seguir o trilho sinuoso e imprevisível do labirinto. O enigma do caminho estava na dúvida que animava os seus próprios actos. Ele sabia que não havia outra maneira de continuar vivendo: teria de morrer e perder tudo para poder ganhar a eternidade. Ele teria que tentar. Teria que vencer tentando a sua paz pútrida. Teria de fazer correr pelo corpo inteiro todo o sangue, sem lutar contra o destino traçado pelas as artérias da alma.

Só ao caminhar se libertaria das cadeias da morte que a vida lhe garante. Só o cumprir desse caminho lhe aportaria a alegria redentora de um viver urgente e intenso. Só o movimento lhe fazia abrir o coração. Por força das circunstâncias executava passos rápidos, acompanhados por sístoles abertas e diástoles com pressa de viver. Só a corrida lhe aportava a paz completa de uma libertação. As correntes que arrastava, ferros pesados que lhe empecilhavam os passos, iam caindo desfeitas em ferralha. Iam ficando deixadas por terra como marcas indeléveis de um árduo trajecto cumprido em busca da uma vida. E para se libertar caminhou sem sentido até que deixou de se sentir no corpo e a sua alma se iluminou. Ao despertar, uma pomba branca e outra negra voavam por entre a névoa dos seus sonhos, ensinavam-lhe com palavras novas um mundo renascido. 


Joshua Magellan

quarta-feira, 21 de novembro de 2012


Sonhou demais...

Sonhou demais. Queria que fosse seu. Imaginou os dois juntos. Ambicionou entregas, trocas, partilhas, fidelidades... Sabe que teria feito dele um ser seguro, feliz e completo porque ela sabe amar desmesuradamente. Chegou até a imaginar um futuro. Sonhou demais... e com a sua ajuda. A ele, faltou-lhe honestidade. Não foi por mal... É superior a ele próprio ser inverdadeiro mas até isso lhe perdoava porque lhe perdoou tudo. Adeus, meu amor... Irá sempre recordá-lo com carinho porque sabe que não lhe deseja qualquer mal. E agora chora por si própria, pela perda. Chora por ele, por não aceitar o que a vida por vezes nos oferece uma vez só: um amor verdadeiro.


Carmo Miranda Machado

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Palavras Versadas


Um cabide nas nuvens

Está um cabide na nossa nuvem.
pendura as tuas lutas
que eu canto nu entre os ouvidos dos joelhos da cidade
que eu canto nu a quem respira o perder
na solidão imensa do ser igual.
queria dizer-te porém que sou quem digo à lua
onde se pode lavar.

- sou o cheiro que nunca se sentou a teu lado
a encosta pálida que nunca escutaste
uma espécie de vinho extra - sensorial
sou o mago das coisas simples
o maestro das florestas quando choram

Agora que já sabes podes adoecer os sóis.


Miguel Barroso

domingo, 18 de novembro de 2012

Provocatio


Culinária de voo livre

A oratória de certas gaivotas impressiona. uma espécie de wikipédia ruidosa, ruinosa, ruim. peço um rim e faço arroz de pombo? 


Miguel Barroso


sábado, 17 de novembro de 2012

Crónica Benzodiazepina


Péssimos amantes

No fundo, e pensando bem, à distância de algumas boas doses de lágrimas, nós mulheres, somos as verdadeiras e únicas culpadas do sofrimento que os homens nos infligem. Porque, se o mundo está tão cheio de péssimos amantes, a culpa é nossa, é da imensidão de mulheres porque, na maioria das vezes, não nos atrevemos a dizer-lhes onde é que eles falham e que o sexo com eles é uma verdadeira merda, e que já tivemos amantes fantásticos juntos dos quais eles não têm absolutamente valor nenhum. Mas não... Somos peritas em enganá-los, iludi-los, fazendo-os acreditar que, com um pénis vergonhosamente ridículo, são os maiores amantes do planeta. Estúpidas... estúpidas e grandes cabras, que nós somos.


Carmo Miranda Machado


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

PALAVRA EXPERIMENTAL (IV)


MORTE NUMA LISBOA REVISITADA

A vida, é certo, / não vale a sua perda, /
mas os jovens pensam que vale, / E nós éramos jovens.

A. E. Housman

se o amor é um poeta obscuro, é a sabedoria de uma equação mal resolvida, pouco importa para nós; nós que passamos para depois do lucro divino da mão docemente sinistra, maneira de arrombar o espírito familiarmente anunciado com a alegria de agarrar o medo e tomá-lo voluntariamente como comprimido, como morte pensada, como avistamento próprio na retórica de uma cidade que soluça às portas do seu dinheiro.

e muito para além de tudo está o nosso sonho em voz alta entre febre e frio, o sonho eléctrico de uma lisboa mal revisitada, passeio para depois da semi-eficácia da morte.

e nós ainda respiramos. respiramos como se toda a respiração fosse uma pergunta. respiramos como se nos absorvêssemos.


Sylvia Beirute

quinta-feira, 15 de novembro de 2012



Vida dupla

Anota na agenda, vai fazer. Mais atroz, ainda: pensa, lima as ideias, passa para a agenda, vai fazer. Volta à agenda e risca, já está feito. Ai que me esqueci de apontar na agenda, volta à agenda, alinhava as tarefas, vai fazer.... Amanhã há mais...

Mas que raio de vida dupla é esta? E que perda de tempo e duplicação de tarefas! Quantas horas são despendidas, por esse mundo civilizado, diariamente, a apontar na agenda aquilo que se vai fazer e dizer de seguida? (ou nem uma coisa nem outra, que ainda é mais grave?)


Iolanda Bárria

quarta-feira, 14 de novembro de 2012



O grande escape da mente

Sonhos são sonhos. Sonhos alimentam outros sonhos. Também sabemos onde todos acabam. Diz-se que o sonho comanda a vida, mas sabe-se bem para onde os sonhos nos mandam. É da sabedoria do povo que a morte é a única certeza de quem nasce. Corre-se para longe desse destino, inventando razões e mais razões. Tenta-se esquecê-lo de todas as maneiras e feitios. Mas, vida e morte garantem-se e garantem o sonho que as anima. É por isso que ninguém abre mão de morrer. Sonha-se que se morre para poder alimentar o sonho de que se vive.
Pela mesma lógica da ilusão dualista, quando adormecemos, está-nos destinado que um dia também haveremos de acordar. E é precisamente nessa brecha estreita entre o adormecer e o despertar que se encontram os sonhos, a vida como a conhecemos. A função dos sonhos é manter-nos a dormir. Os sonhos são uma espécie de compromisso conciliador. Eles temperam os desejos mais absurdos, a culpa e os medos mais profundos, adocicando-os, formatando-os nos limites do aceitável, impedindo-nos de despertar todos suados, aos gritos, por causa das ideias loucas a que nos permitimos.
Sonha-se para fugir à realidade dos sonhos.


DuArte

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Palavras Versadas


Não é nada disso

A poesia não é nada disso a poesia
é o corpo em maresia
é o fogo que arde e pode queimar
em tal vez o amor
a poesia é tudo isto que já foi visto
e o que além está por ver a poesia
é o filosofo com letras de fanfarrão
a fanfarronice
a querer ser uma lição de filosofia

a poesia é tudo isto e muito mais
contém letras fortes e tretas de alquimia.

Vão ler o que diz a sabedoria!


Joshua Magellan

sábado, 10 de novembro de 2012

Crónica Benzodiazepina


Hoje acordei com o sangue a jorrar na guelra!

Desde muito miúda que me sinto muito orgulhosa do meu país! De ser portuguesa!
Recordo-me como se fosse hoje, o dia em que na escola me disseram que Portugal tinha sido o 1º país a abolir a pena de morte!
Senti-me tão Grande, tão Grande! Que orgulho que eu senti no meu país!
Perdoem-me os mais aventureiros! Mas confesso que sempre me orgulhei muito mais de pertencer a um país que foi o primeiro a abolir a pena de morte, do que pertencer ao país dos grandes exploradores!
O país que teve a grandeza de abolir a pena de morte é um país de Almas Grandes!
Um país que derruba um regime fascista com uma revolução como a nossa é um Grande País!
Tento sempre evitar utilizar palavras ofensivas ou menos correctas para falar seja de quem for!
Mas chega! Chega de permanecermos atentos às graças e às desgraças e nada fazermos!
Já não existe nem delicadeza nem educação, nem porra nenhuma, que aguente o que se está a passar neste país! No meu país! No nosso país! No primeiro país a abolir a pena de morte!
Amiúde ouvimos as mais variadas dissertações sobre a origem da crise!
E hoje acordo a pensar em que é que esta cambada de (des)governantes incompetentes e ignorantes do alto da sua arrogância estão a transformar o meu país?
Num bordel de diversões?
Sim! Nunca na minha vida pensei voltar a ver a censura a espreitar as nossas conversas, os meios de comunicação, as nossas atitudes!
Eu que desde miúda sempre me orgulhei tanto dos nossos cravos, não suporto ver novamente o povo a ser censurado pelo que fala, pelas manifestações que desenvolve!
Porque será que tenho a sensação que estas medidas do governo são uma injecção letal sem agulha?
Porque será que agora temos como porta-voz do cinismo, da desfaçatez e da mediocridade dos nossos políticos o Sr. Fernando Ulrich?
Porque será que o povo está com tanto medo de se manifestar?
O que é que nos escondem?
Querem transformar-nos em escravos!
Como?
Criando estas medidas que destroem as nossas vidas! Que destroem as nossas esperanças!
Assusta-me pensar no que vai acontecer em Janeiro de 2013 se nada for feito!
Estamos a ser governados por pessoas paranóicas e desgovernadas!
Alguém me consegue explicar o que se passa?
Vamos lutar! Não podemos deixar que os nossos ideais desapareçam!
Os nossos filhos têm que se orgulhar de nós!
Não podemos permitir que nos roubem novamente os nossos filhos! Sim! Desta vez não é para as colónias! Mas é um roubo na mesma!
Um roubo na esperança; um roubo nos vínculos; um roubo na afectividade; na partilha; no mimo; nos momentos de afecto!

 
Maria Paula Elvas

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

PALAVRA EXPERIMENTAL (III)


Deixa-me pintar a Estação

Deixa-me pintar a Estação da cor que tu mais gostas e saltar de uma palavra para a outra como se não houvesse gravidade e dá-me um guarda-chuva para flutuar quando tiver de cair torna-te temerária e deixa-me torcer a realidade como quem grita e murmura por mais mas dá-me a liberdade para inverter o curso de um rio qualquer um qualquer mesmo mesmo aquele que menos te interessar quero rebentar como um fogo de artifício a preto e branco que era o que eu sempre devia ter feito rebentar como um fogo de artifício a preto e branco com um estrondo de outra dimensão e sussurrar muito baixo eu não quero implodir quero explodir quero explodir quero explodir para depois desatar a correr a correr a correr a correr a correr até os músculos estalarem e deixa-me fechar os olhos para ver mais claro do que sempre como naquele dia em que nos desvendámos todos os dias me deito sobre mim e todos as noites relembro Outonos daqueles cheios de nevoeiro e de chamas em estalactites a perfurarem os sentidos os mesmo que me obrigam a encenar uma falsa calma enquanto danço de testa franzida à espera de um milagre qualquer e todas as noites adormeço apreensivo ao som do bater dos relógios da minha mente deixa-me agora mergulhar numa palavra escrita a tinta permanente e borrar o papiro chinês como naquele filme sem argumento e sem palavra e sem imagem que é a maior lição da minha vida não pensar em argumentos palavras e imagens e apenas correr até ficar cansado e beber um copo de martini para matar a sede e continuar a correr a correr a correr a correr de um lado para o outro para baixo da cama onde há astros desalinhados e por mais que corra não sei se sou capaz só quero um pouco de paz


Bruno Vilão

quinta-feira, 8 de novembro de 2012


Correr ou não correr...

Temos seguros momentos em que tudo flui, corremos pela vida como vento forte vindo do Norte. Noutros, um nada inseguros, somos simplesmente brisa a passar morna e lenta, a correr breve e a cair onde calha, onde não cair, a morrer nos braços das árvores. Noutros ainda, somos tempestade, furor do céu em terra, ascensor em força adejando sobre todas as barreiras direito ao topo do mundo. Somos isto e aquilo e mais qualquer coisa sobre a qual nem sequer sabemos. Ou, andamos no vamos ou não vamos. Ou, não nos controlamos completamente descontrolados e nos estatelamos no disparate, por vezes. No desperdício, outras.
Apenas o tempo. Apenas o astro exercendo o mando do que somos. Sempre o podíamos ter sido. Sempre o podíamos ter feito. E não fazermos nada (do concreto inadiável): porque temos de saber de cor todas aquelas celestiais criaturas de asas e vôos irregulares; porque temos de apagar algum fogo fátuo no purgatório; porque temos de telefonar a pagar no destinatário para o tal inferno. É verticalmente, nesse interim, que cai sobre nós a hora pesada e sobrepesada – e não nos conseguimos mexer. De tal forma assim, que ficamos inermes, sem forças para lutas vitais. Sem pinga nem ensejo para o mais ténue golpe de asa. Catatónicos, no limte.
Tudo e sempre com todos os anjos mais rebeldes esbracejando ditames a nosso lado. Enquanto nós resistimos religiosamente prostrados à espera que o mundo resolva absolver-nos destes nossos pecados cruciais e nos faça um futuro. 


Joshua Magellan

quarta-feira, 7 de novembro de 2012


Tristes tempos

A tristeza duradoura é um veneno poderoso. De início, mal se nota. Depois vai-se entranhando na pele e na alma. O olhar perde a chama que temos quando queremos beber a vida de um trago, quando temos esperança, quando amamos, quando somos meninos e descobrimos o mundo. A tristeza chega sempre e todos devemos ter um tempo para vivê-la. Mas nunca a poderemos deixar instalar-se definitivamente, nunca poderemos deixar que nos roube a chama do olhar e o brilho da alma. Por vezes, recuperá-la é extremamente difícil. Mas é, apesar disso, essencial para vivermos além da simples existência.
Hoje vive-se a mil à hora. Acontece tudo demasiado depressa. É o tudo ou nada. Já não há espaço para os sentimentos crescerem naturalmente. É tudo desmesurado. O bom e o mau. Há princípios e fins e pelo meio quase nada, porque nunca há tempo para o que fica entre os dois acontecimentos.


Missanga

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Palavras Versadas


ORAÇÃO DE GRATIDÃO

há toda uma gratidão em aceitar o universo.
todas as pequenas coisas formam uma grande coisa.
há um parentesco desconhecido entre todo o conhecido.
o meu mundo tem ligação directa aos deuses.
há uma força da natureza que age na raiz das constelações.
há um erro que me pensa a fim de me construir.
há uma maneira de aproximar e que me dá todas as matérias.
e todas as matérias são feitas de paz, luz e bons espíritos.
há um compromisso e uma responsabilidade de mim para mim.
o meu dia é a minha caneta, o meu papel.
e no final do dia o universo requer um pensamento
que absorve palavras absolutamente inteligentes
e que o resumem na noite brilhante.
esse pensamento é a devolução do dia em forma
de energia para o sonho seguinte, o dia seguinte,
um novo passo, um novo começo.
há uma renovação constante em mim
na maneira de me dar e de me devolver. 


Sylvia Beirute

domingo, 4 de novembro de 2012

Provocatio


soldado desconhecido

tenho uma pena de morte do desconhecido:
um soldado condenado a herói neste poema
morreu de heroicidade sem nunca ter existido.


Joshua Magellan

sábado, 3 de novembro de 2012

Crónica Benzodiazepina

 

O RISO DE DEUS 

Talvez a principal aventura a ser vivida seja a da descoberta. A descoberta diária de nós próprios e de nós próprios nos outros, que isto de descobrirmos os outros não me convence. Creio que ninguém se deixa descobrir/conhecer totalmente, pela simples razão de que não me parece que nesta azáfama em que vivemos, alguém tenha tido já tempo para se conhecer a si próprio.
Descobri Alçada Baptista. Descobri-o, na medida em que me reflicto nas suas palavras. E dos muitos autores que vou associando à minha lista, este transformou-se na minha última grande paixão. Experimentem “O Riso de Deus”!


Carmo Miranda Machado
 

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

PALAVRA EXPERIMENTAL (II)


O caso que não vou escrever

Não vou escrever agora, tomo a liberdade de quererem ouvir o psicadelismo do som e do senhor que os músicos gravaram na rua:) - ouvir Alto.

caso seja possviel um dislxecico pstoar:

Crime passional: estripo a teaser.

Sou um anestesista simples. só uso medronho.

Para degustarem do nosso primeiro filho, eu e a noiva decidimos que os direitos de autor prevalecem sobre a utilização comercial do mesmo

O véu da noiva será translúcido e inodoro, mas feito de gelado de chocolate para eu a poder comer antes de dizer que sim, que a comerei para o resto da vida

Eu e a noiva, durante o copo de vinho... o copo de água, poderemos sortear entre os convidados a saliva dos nossos beijos.

A noiva não vai de branco, vai de rato óptico

Rockets Fall on Rocket Falls. E uns biombos esquartejam as esquinas puídas do teu corpo. mitos e joelhos nadam dos tectos e a mesa que roda lambe-te as sombras. há um hiato na digestão de deus. E de amor embutido nos mamilos perguntas se é tempo.

Um túmulo expectante feito de cinza e osso enevoa perfeições. NASA de um relógio qualquer. Fora, fumo uma cigarra, cheio de formigueiro.

entre as zonas erógenas do tear do ronronismo....................


Miguel Barroso

quinta-feira, 1 de novembro de 2012



Amor 

Não é fácil conservar a frescura do basílico, mas Júlia consegue-o, como ninguém. Usa um gesto treinado e preciso para sacudir os raminhos, um a um. Separadas delicadamente as folhas, liberta-se o aroma...
Não lhes toca! Nem cheira ostensivamente, como muitos fazem.
O basílico é da família do manjerico. Ambos vivem sob ameaça de morte súbita!

(Júlia sabe muito bem que o basílico não sabe a nada)


Iolanda Bárria