sábado, 11 de fevereiro de 2012

SETE DIAS VEZES POESIA (V)


o amor começa e acaba sempre

“Era uma vez...”

um príncipe e uma princesa
no olhar dela os olhos do príncipe brilhavam
no azul da estória a princesa esperava um final feliz
negociava com os leitores em letras de câmbio amoroso
um desfecho inesperado

(e declamava tatuada de palavras desbravadas muito antes de Gutenberg)

sou uma alma tipografada à mão
tenho letras desbotadas no meu coração de pasquim
habito no prelo das ideias numa lata de tinta desmaiada
por falta de emoções de primeira página
a minha literatura inclusa escreve-se na intimidade
das letras impressas nas fontes orgiásticas do “Novo Tempo Romano”

(sinto o peso do carvão quando cai sopesado
sobre a brancura de todo o meu espaço informativo)

vivo no suspense da meteorologia
sem tempo definido para amar sobre as notícias do dia
sem espaço mudo para respirar fundo no momento agudo das parângonas
a cada edição sustenho a respiração na fotografia da capa
comporto-me como se fosse uma qualquer uma publicação apócrifa e sem data

(sinto a novidade da crónica vivida e renovada
no relato futebolístico da vida)

vivo no equívoco dos intervalos de tempo que adio
na meia página vendida aos anúncios de contracapa
na gravidade da queda do tempo todo acontecer
nas letras miúdas prisioneiras das caixas de texto
morrerei quando uma notícia caída no vespertino do dia
disser que uma princesa deixou de ler o zodíaco
por ter adivinhado o futuro na necrologia

(sinto que vou saber que morri de todo
umas horas antes do colapso cardíaco estelar)

é pelas palavras tristes que o meu destino viverá
escarrapachado na página de um jornal
ponham-me uma bandeira vermelha sobre a urna
com ou sem foice com ou sem martelo mas que seja rubra
como a carne viva das maçãs camoesas do rosto
como as letras gordas dos jornais desportivos
quando a equipa mais encarniçada marca pontos na taça
e que o ditador decrete na época estival que seja Inverno todo o ano
com as cores sanguíneas do outono passado
quando o meu Inverno chegar ao cúmulo da redacção final
chamem os correctores ortográficos mais severos
os lápis azuis mais austeros e puritanos

(ou mandem desfilar uma colecção de cromos de Primavera / Verão...
eu irei entre eles numa mascarada de mim na passarela
fingindo que nunca escrevi nada assim tão bera)

eu quero ir fria mas sem erros de ortografia
eu quero ficar morta mas muito aperaltada
os olhos mortiços do príncipe trancaram a luz dentro de mim
sou uma princesa perdida no breu de um corredor de fundo extenuado
só ganho ânimo leve no sussurro redentor de um ascensor de imagem
uma bússola nas palavras de um leitor emocionado com o amor carnal

procuro uma saída nos bastidores de uma rede social demo-decadente
para não ter de fazer mais rimas com detalhes de imprensa
tomo uma atitude decente
dispo-me diante do espelho
aflijo-me quando vejo um caracol no pente
significa que a minha vida está por um pintelho

porque o poema só tem uma saída para o amor fodido
nas traseiras de uma folha caída em desgraça pesada
no canto obscuro de uma nova página em banco pintado de fresco
e no fim de tudo o que podia ter sido o fim desce em mim mansa mente
sem ser soprado por uma corrente de ar estilística-mente-dominante

(a pedido de um leitor apaixonado pela poesia auto-erótica manual
os ficcionados amantes cumprem a fantasia final completamente nus)

o amor grava-se por todas as partes do corpo de todos os poemas
as estórias reais cumprem-se réstias de souvenirs de vida
ainda que a princesa seja uma freira transexual em clausura
ainda que o príncipe seja um bento papa romano-germânico
normalmente anormal em pose dita dura
cumpre-se o fado da mesma velha lenda uma e outra vez
o verbo "ser" inicial renasce no cinzeiro de cada madrugada acesa
na memória de uma e outra vez
e retoma o discurso iniciático:

“Era uma vez...”

o amor começa e acaba sempre


Joshua Magellan

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