domingo, 30 de janeiro de 2011

A PALAVRA AOS NOSSOS CONVIDADOS - Provocatio


Pestanejar de Uma Realidade

Encontro-me num dilema existencial. Apetece-me confessar: confessar que estou a tentar não dizer a verdade; confessar que apesar do que se interpõe no meu caminho, continuo com vontade de confessar que me sinto livre de mim mesma.

Qual é a melhor forma de largar um vício?

Qual é a melhor forma de reformar um trabalho velho?

Diz-me tu, o que é que queres? O que esperas de ti?

Ultimamente tenho ouvido, visto, sentido: frases, sentimentos, e acções de corações partidos.

Qual é o problema?

É mau, isso?

Onde está escrito que devemos ser felizes para sempre?

É... a velocidade de um pensamento inconstante leva-nos a conclusões desgastantes.


Anja Rakas - Maputo, Moçambique

sábado, 29 de janeiro de 2011

A PALAVRA AOS NOSSOS CONVIDADOS (IV)


Water Drop

Sem água a vida simplesmente não existe. Temos necessidade dos oceanos e rios que passeiam pelo mundo, temos necessidade dos lagos e lagoas que servem de olhos para que a terra namore o Céu. Temos necessidade da chuva para que preencha a Terra com abundância que alimenta e reponha em todos esses vasos terrestres os níveis necessários. E depois existem os humanos, que são 90% de água, e por ai adiante...

Ou seja, a água é uma benção, pois, rega, lava, limpa, alimenta, navega, circula por todo o lado.

Será interessante pensar que também os seres humanos são mares, rios, lagos, lagoas e chuva . Bem podemos dizer que a água que chove pode ser parte de algum ser humano. Porque não? Pois, se somos 90% de átomos de hidrogénio. Quando morrem os seres humanos devolvem essa mesma água à terra. É certo!? E tanto pode ser por evaporação, ou por penetrar nos lençois freáticos, isto é, ela volta a circular como toda a água: como chuva, como rio, lago ou mar. Também é certo!?

Da próxima vez que chover observem bem essas gotas que caem... elas não vos são familiares?


Rui Valentim - Sintra, Portugal

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A PALAVRA AOS NOSSOS CONVIDADOS (III)


Fugidos do medo

Nesse dia fui mais uma vez visitar os meus avós, eles vivem numa daquelas regiões comunitárias conhecida pela “Comunidade do Pensamento”. Gosto de ir àquele sítio, é um ambiente diferente do que estou acostumado. As pessoas, de singela aparência, vivem um dia-a-dia calmo, entre os afazeres agrícolas e uma regular vivência cultural. Isolados deste mundo que foi imposto na maioria das comunidades, rodeados do essencial para sobreviver com alguma dignidade, não abdicam de pensar livremente. Nessa tarde, e porque o meu avô achou que estava no momento certo para ver a Torre de Babel, assim se chamava a sua secreta biblioteca, lá fomos os dois direitos ao momento há muito esperado. Entrámos num edifício discreto e dirigimo-nos a um dos cantos, onde existia um alçapão cuja escada nos guiava a uma enorme cave repleta de informação: livros, dvd’s, cd’s, todo o espólio que eles haviam salvo dos “autos de fé” levados a cabo pela “Comunidade Capital”. Há mais de cem anos que todo o material tinha aposta uma chancela: “Visado Pela Censura” – a imagem mais visível da DCI (Direcção do Controlo Intelectual). Entendeu o governo que aqueles conteúdos podiam ameaçar a estabilidade social e política. De alguns autores era até proibido mencionar o nome.

Sabia que o meu avô e os seus amigos dedicavam os seus momentos de lazer ao debate cultural e político, mas hoje percebi por que razão se tinham refugiado aqui, eram eles os censurados, tinham tido a ousadia de pensar de maneira diferente e de publicar as suas ideias. Ostracizados por esta nova ordem mundial, sancionados intelectual e socialmente, resistem mantendo a esperança de que um dia volte a liberdade de expressão a todas as comunidades. A história da humanidade já tinha provado que a opressão fora muitas vezes uma alavanca para a produção cultural, subtilmente muitos autores tinham conseguido ludibriar os censores. Por tudo isto, muitos preferiam constituir um “mundo” aparte, gozando de uma liberdade que, apesar de condicionada, lhes permitia o espaço suficiente para sobreviver enquanto homens racionais. Num ambiente de tertúlia um deles declamava. E assim, neste ano de 2122, soava a nostalgia dos velhos contemporâneos do século XX, num poema do Alexandre O’Neill. “...O medo vai ter tudo/ quase tudo/ e cada um por seu caminho/ havemos todos de chegar/ quase todos/ a ratos.”.
 
 
M. Jota

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A PALAVRA AOS NOSSOS CONVIDADOS (II)


Paro. Olho. Penso.

Sempre pensei que as pessoas se fortaleciam com o passar do tempo através da luta desencadeada por crenças, desejos, vontades... Sempre julguei que quanto mais se lutasse sempre se iria conseguir chegar à meta. Sempre julguei que cada gesto, cada passo, cada palavra, com o tempo, nos iriam fazer grandes. O tempo, aquele que faz tudo... Hoje, as minhas ideias desvanecem-se e certezas já não existem. Começo a ponderar que, uns por muito que lutem não chegam a ser fortes, nem chegam a atingir qualquer meta, por outro lado, existem os fortes que conquistam sempre a sua meta. Não posso afirmar, com absoluta certeza, que esses ditos fortes não lutam, mas posso afirmar que não sofrem tanto na batalha como os fracos que lutam por tudo conquistar. Corri durante anos e nunca atingi a minha meta. Não desisti e continuo a correr - a meta está longe e o caminho não encontra fim.

Olho. Penso.


Joana Santos (17 anos) - Porto de Mós, Portugal

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A PALAVRA AOS NOSSOS CONVIDADOS... (I)


SERIA DOMINGO

Gangorras sobem e descem em seu movimento familiar enquanto sacos de pipoca e algodões doce são degustados por bocas infantis sorridentes; desafiando a gravidade, impulsionados por mãos adultas prestativas, outros sorrisos maravilhados se encantam com os balanços do parque: é domingo.

uma luz vermelha se acende no ar sustentada por uma estrutura metálica e automóveis detém seu avanço em um gesto simultâneo, dando passagem para pés apressados cobrirem linhas paralelas; olhos femininos se rendem aos últimos modelitos das vitrines: é segunda-feira.

entre as nuvens e os arranha-céus, um rastro de fumaça esbranquiçada denuncia o estrondoso pássaro supersônico; abaixo, pacientes em estado vegetativo permanecem indiferentes a qualquer estímulo, esperança salgada vertendo dos rostos dos familiares e amigos, mais próximos do que nunca: é terça-feira.

casais trocam confidências e carícias em passeios públicos, momentos a dois divididos por centenas e milhares – as taxas de natalidade receberão acréscimos; àqueles para quem o amor não foi endereçado têm um encontro marcado com os monitores de computador e as telas de televisão, adiando a visita à maternidade: é quarta-feira.

do lado de fora da janela do sexto andar, o vazio captura o olhar pensativo de alguém flagrado no equilíbrio precário entre a atitude e a indecisão; uma troca de tiros na mesma rua encerrará o dilema shakesperiano, assassinando a dúvida torturante: é quinta-feira.

a pressão de um dedo sobre um número errado apresentará o admirador secreto à estrela que se sobressai em meio aos flashes e holofotes; quando as asas da mariposa estiverem sendo chamuscadas pelas luzes intensas, ele lembrará dos breves momentos de ausência da realidade e lamentará o imprevisto: é sexta-feira.

o abominável homem desprezado que fez de jornais velhos, cama, e de sacos de lixo, cobertor, acordará dentro de um sonho; o assaltante de bancos não deu pela falta de um milhão de reais durante a fuga – quantia modesta comparada ao produto total da pilhagem: é sábado.

lentes telescópicas em observatórios astronômicos insones identificam a aparência inconfundível de um asteróide se avizinhando em velocidade maior do que qualquer providência a ser tomada: seria domingo.


Rinaldo Leriano - Criciúma, Brasil

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A PALAVRA AOS NOSSOS CONVIDADOS - Palavras Versadas


INFIDELIDADES

Perdi-te por entre as rimas do poema
ao dobrar a esquina do verso número vinte
Diseur de outras estrofes, tu
Há muito que as nossas quadras dormitavam
por entre as reticências
e os sinais

Ponto final?
Parágrafo!


Palas Athena

domingo, 23 de janeiro de 2011

Provocatio


Andas por mim?

EU AMO... EU AMO... EU AMO...
CADA PEDACINHO DO MEU DELICIOSO CORPO!

EU ADORO... EU ADORO... EU ADORO...
CADA NEURÓNIO DAS MINHAS PAREDES PSICOLÓGICAS!

É... PARECE QUE ANDO APAIXONADA POR MIM!!!

e tu?


Anja Rakas

sábado, 22 de janeiro de 2011

Crónica Benzodiazepina


Cidades

Nas cidades, gosto sobretudo de ver como as pessoas se organizam, como moldam o espaço, o habitam e o fazem seu.
O que levanta uma cidade são as suas ruas e eu começo sempre por aí: perscruto-as e dou-me a conhecer.  Há ruas e avenidas e há becos e travessas...  Há becos sem saída e outros que 'dão para' enormes avenidas.
A cidade é um organismo vivo, e isso é muito mais do que a simples soma das partes. Quantos segredos e mistérios não esconde uma cidade? E quem pode assegurar que os conhece?
Os lisboetas parecem-se com Lisboa? Como é que isso acontece? E os luandenses com Luanda?  E os moscovitas?

Quando visito uma cidade não dispenso:
 - viajar de autocarro dentro da cidade, em hora de ponta (sem destino);

e ver:
 - saídas de estações de metro;
 - farmácias;
 - mercearias;
 - entradas de prédios de habitação;
 - montras
 - pães e bolos das pastelarias (como se chamam, a que sabem e como estão arrumados nas prateleiras;
 - jardins;
 - igrejas (as católicas são as que mais gosto, mas espreito todos os locais de culto, cristãos, ou não. E tenho uma curiosidade especial pelas igrejas ortodoxas);
 - a configuração das ruas - os seus 'nomes';

e observar as pessoas:
 - como se movimentam, vestem, cumprimentam...
 - comem na rua?
 - de se ocupam?
 - o que fazem quando estão paradas?


Iolanda Bárria

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011



O dia em que acordei velho

Hoje sinto-me velho, muito velho, sou como sou – caminho – sou, sem sentir os passos que pisam as pedras de que me asfalto e cubro.

Hoje sinto-me velho, velhissímo, como se todos anos passado-vivido condensassem o peso dobro de um dobro elevado a um cubo sem saída e me fizessem soçobrar arrastado pelo sentido de reiterados séculos sem forma. É asssim a vida que não vivemos para dar lugar morto ao vivo por viver, é o que nos ensinam (como ensinam às crianças razoáveis) – "sê vivaz para sobre-viver!"

A poeira do tempo que passa por nós e assenta sobre os ombros, com capa de bonança e peso de temporal, é a caspa branca da neve, o Tempus Fugit que nos aporta um aspecto sujo e nos arrefece aos poucos.

Envelheço e vivo, como se o tempo se acabasse depois das palavras que ainda não conheço; vivo e envelheço, como se lesse a vida que vem a seguir às palavras que vou descobrindo em cada morte. Sim, há dias em que morro por desilusão, por saber que tudo o que sou no meu íntimo vai ser remoidamente deturpado por uma máquina de dentes de aço inolvidável.

As cãs cobrem-me as fontes sêcas de onde já não brotam poemas, apenas a ausência de cor/acção sobrevoa o cocuruto do meu vazio, apenas palavras trazidas no bico de uma ave, um ou outro pequeno galho figurado como uma ideia a jeito de compôr um ninho sem crias sobrevivas.

Tenho mil e quinhentos anos de frases desfeitas em cada pensamento, tenho um sonho anquilosado a mover-se dentro de mim, reumaticamente apoiado numa bengala que me espeta contra as vísceras, – é um sonho velho, lúcido, mas já sem forças para se erguer sozinho.

Cheguei a mim depois de ter passado pelo mundo, onde os outros riam e choravam para ver se estava atento ao seu estar a ver-me passar. Nunca mais vou sair deste lugar onde me acoito, porque a minha toca é o mundo inteiro visto de dentro para mim de fora.

Estou falido e gasto como o orçamento do estado fisíco e quântico em que me encontro. Faço contas, reconto, e nunca me encontro. Só eu, só, comigo. Um dia, num dia qualquer, chegará o dia em que faço como Nero: e, enquanto dedilho uma harpa, incinero toda a contabilidade dos feitos e desfeitas num leito de calores fluídos. Para lá do caos, muito para lá, durmo sobre as cinzas em banho lento desperto.

E ao acordar de um dia novo, cheio de cores nos olhos e puberdade na alma, desponto como as flores para pintar de mil matizes a primavera.


Joshua M.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011


Gabriel

É verdade. Eu não sou, nem quero, e vou. A verdade é que não há verdade que me permita ser feliz aqui. Não vou mentir, fazendo-me crer que sou melhor do que sou. É verdade que não, que sim, que vou. Porque a resistência termina como todos os dias. Com os que foram e os que vão ser.

Se nunca estive, é porque não podia, nem nunca poderei estar.

Olha bem para mim, para o meu corpo, como arma o salto. Repara nas pernas, como se dobram de ânimo. Os braços elevados na esperança de uma brisa. Um arrepio que me tire os pés do chão.

Vou soltar a última amarra. Vou soltar e vou saltar, hoje!

Só espero não fazer a mínima ideia de quem sou.
Quero lá saber quem sou nos teus braços.

Quero mais é voar...


DuArte

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011


Noves fora, hoje - a extensão do poder da infância

Enquanto crianças, escalamos montanhas, visitamos a lua, construímos casas em Marte, somos imperadores de um universo povoado por seres belos, recheado de muitos chocolates e outras iguarias. Salvamos o mundo, incluindo todos os seres que amamos. No nosso íntimo, todos guardamos recordações felizes da nossa infância. Isto, por que enquanto crianças, quando nos sentimos felizes, sentimo-lo plenamente. O futuro aparece-nos como algo distante e improvável, algo que não é importante, o que importa é o aqui e o agora e a intensidade como vivemos esse presente é total. Guardamos então nesse “baú” maioritariamente as coisas boas - os cheiros e sabores, as cores que dominavam o nosso dia a dia, a temperatura das águas em que nos banhávamos, os carinhos, as tropelias, os desafios.
Contudo, nesse mesmo baú, mas bem mais fundo, encontram-se as coisas menos boas que escolhemos esquecer e que marcaram profundamente o nosso desempenho durante toda a adolescência e vida futura, até o desenterrarmos, percebermos e perdoarmos. Refiro-me obviamente àqueles que tiveram uma infância “comum”. Não são poucos os menos afortunados que nem sequer tiveram hipótese de enterrar as coisas menos boas num baú, dada a violência dos acontecimentos dominantes da sua infância que se impõem na memória diária, ou no registo das suas (re)acções presentes (sim, provavelmente aquele homem que o assaltou há duas semanas…)
Seja lá como for, percebo que a chave do nosso presente, do nosso futuro, do nosso desempenho, se encontra na nossa infância e, normalmente, no fundo desse romântico baú. É na infância que começamos a lidar com o “outro”, sendo que o “outro” representa invariavelmente a sociedade, quer o “outro” sejam os nossos pais, irmãos ou colegas de escola. O “outro” é sempre “outro” que não nós. É impossível, mesmo numa infância feliz, a inexistência da imperfeição. Somos seres humanos, consequentemente, seres imperfeitos. Essa imperfeição com que tivemos invariavelmente de lidar não deve ser relevada, pois é, será sempre, o factor que determinou o elo mais fraco da fortaleza que hoje assumimos ser e que construímos, tijolo a tijolo, em torno da nossa fragilidade.
Hoje, enquanto adultos, vestimo-nos de fatos e desempenhos, enquanto, se calhar deveríamos continuar a desejar escalar montanhas, povoar Marte, salvar o universo e todas as pessoas que amamos. Deveríamos conseguir recuperar a intensidade com que vivemos o aqui e o agora, porque o amanhã - vejamo-lo com olhos de ver - não existe realmente, continua a ser apenas uma possibilidade. O passado, também já não é… “noves fora”, resta-nos o hoje. A âncora possível deste barco de carne e osso reside na infância. Há que levantá-la, para se poder navegar.


Lucinda Gray

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Palavras Versadas


cães

silenciosamente, há cães
que edificam o seu labirinto
e nele consagram o afã da raiva
o escrutínio das lâminas
onde os neófitos se deitam, crendo
no muro uma cordilheira de ombros e
em tal muro a cicatriz de uma porta
prestes a reabrir-se.
assim se governa uma casa um país
redimensionando o espaço imposto
à ambição de uma casota
e
por vezes
o seu focinho é dócil
em tons de letargia crepuscular
e por vezes
morde-nos o embaraço circuncidado
na glote, e há aprendizagem
a tarefa reinventada de gritar
entredentes, estrangulada, a voz circunvizinha
ventríloquos tardios
no seu ofício
e no seu osso
que ácidos nenhuns invocados
irão dissolver.
somente os cães
por cima do exosqueleto
sobranceiros ao estômago
dando a volta ao estômago
derramando saliva na longitude do destino grosso


Bill enGates

domingo, 16 de janeiro de 2011

Provocatio


Atenas e Esparta

Vi Esparta a passear com Atenas,
(é incrível, eu sei, mas verdade)
de mãos dadas, pelas margens frescas do Eurotas,
estava escuro, mas vi bem os cabelos negros azeitona de Atenas tombados sobre os ombros de Esparta.
Sim, era Esparta, isso é seguro!


Iolanda Bárria

sábado, 15 de janeiro de 2011

Crónica Benzodiazepina

Inquietação Hedonista

Venho do fundo da minha simplicidade, pouco mais sei que aprender, e o que aprendi sobre o prazer não passa de uma palavra a seguir à outra, organizadas num caos de ideias que só pode ser sentido sem ser escrito. Eles sim, os filósofos e os sages, sabem e falam, do Prazer tout court, dos Prazeres sensíveis e dos Prazeres inteligíveis, dos que se podem apreender com a carne em chamas ou com o espírito vivo. Eu nunca os entendi e nunca senti aqueles prazeres que me apontam, ou se tomam em pílulas como medicinas. Toda a minha vida procurei a “essência do Prazer” e nunca a encontrei: duvidei da sua existência, dissequei inúmeras noções de Prazer, tentei defini-lo previamente, delimitá-lo a posteriori, consultei sábios empíricos, vasculhei em canhanhos e dicionários e computadores, inchados de informação vária e plenos de certezas. Mas, em vão, estes apenas me perguntavam se alguma vez vez me tinha sentido satisfeito; somente me interrogavam sobre se alguma vez as minhas tendências ou necessidades haviam sido confirmadas ou saciadas; ou me inquiriam se havia exercido harmoniosa ou parcimoniasamente as minhas mais elementares actividades vitais.
Era tão difuso quanto abrangente, o objecto que me propunha – conhecer a sua alma –, assim dificilmente o poderia definir ou delimitar como o fazem os sapientes, e, em resultado, impossivelmente poderia aceitar o que eles me ensinavam. Pensei numa visão economicista do Prazer, mas nele não há escravatura nem trabalho assalariado, isso são cadeias que resultam de imposições da mente. O Prazer não é um valor, não é capitalista, nem se guarda em caixas de aço herméticas e seguras de banco; não se contabiliza em cifrões, nem se compra, nem está à venda – é sempre dádiva e não tem forma.
O Prazer nunca casou, nunca teve par, nunca viveu ao lado das sensações ou dos afectos, ou das tendências, ou das necessidades, é um órfão sem pai nem mãe nem irmãos e nunca o sentimos, senão no momento em que não existe, porque ele apenas existe numa quimera que também não existe. A carne nunca soube o real sabor do Prazer e o espírito tampouco, porque o Prazer é como um vírus mutante, inteligente e indetectável, que se escapa com a vida que nos leva, mesmo sob a visão graduada do atento microscópio dos alquimistas.


Joshua M.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011


O imprevisto previsível

Parece que, algures, na esquina de alguma obra, Kant terá afirmado que "a inteligência do Homem se mede pela quantidade de imprevistos que ele será capaz de suportar". Digo eu que, para haver medida, antes de mais, terá que haver medidor. Quem será que se digna fazer esta medição? Quem poderá, segundo Kant, medir-nos enquanto homens e mulheres? Será efectivamente inteligência aquilo que nos faz aguentar a imprevisibilidade da vida? E de que inteligência falaria Kant? Inteligência emocional? Estética? Lógico-matemática? Quem poderá quantificar os imprevistos da nossa vida? Quem o quereria fazer? Quem o quereria dizer? O que é a imprevisibilidade da vida? Não será tudo o que nos acontece interessantemente imprevisível? Não. Realmente, não. Lembro-me de, aos dezasseis, olhar para o futuro e dizer: – Não! Não quero! Não quero apaixonar-me, sofrer a ilusão do amor por alguém do sexo oposto. Não quero também sentir, mais tarde, a desilusão, nem que seja pela sua morte (seria inevitável). Não quero ter filhos, amá-los mais do que à minha própria vida e, depois, vê-los partir... voar rumo a uma vida que nos abandona. Disse “não” ao dia mais triste da vida, o dia mais triste de toda a gente – o dia da morte dos nossos pais, dos nossos amigos. Disse “não” à maturidade, à velhice, à tristeza e alegria efémera. Aos dezasseis, olhei para a frente e disse “não”! Imprevisível foi o facto de ter sobrevivido a esse “não”, de ter tropeçado em tudo o que previ tropeçar e de ter sentido tudo o que sabia que iria sentir, sentindo. Afinal, não terá sido todo este caminho um imprevisto previsível?


Lucinda Gray

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011


Pintado de Fresco

Eis que, completamente perdida, ela olha em volta para o imenso desenho.
Levou uma vida a tentar: escrevinhou ideias e mais ideias; tentativas sempre abandonadas de verdade; porque uma vírgula, uma nota, uma sombra constante da sua inconstância, a impediam de ser simplesmente quem era.
Nada permanecia naquele interminável esboço, por mais vincado que fosse o traço. Nada. Nem os outros, nem a fuga escolhida para a escassez da arte, ficavam o tempo necessário. Escritos e apagados ao gosto da paixão; nunca além de um orgasmo fugaz desenhado a grafite.
O papel de fundo, outrora de um branco imaculado, está translúcido e rugoso. Ameaça rasgar-se a cada nova passagem de safa.
Encurralada pela tirania do tempo, ela tenta mais um risco. Mais uma nuance de espaço. Mais uma hesitação.

Frágil e cansado, o papel desfaz-se,
e ela,
e o sonho.


DuArte

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011


Outro primeiro dia

Foi o recomeço. Recomeça-se sempre em Janeiro. A expectativa de que algo tivesse mudado era grande. Todos os anos aguardo ansiosamente para que as pessoas voltem diferentes, os sítios se transformem e as palavras mudem. Mas não. Nos mesmos rostos vi o mesmo olhar, nos corpos a mesma roupa e as palavras... esssas inisitiram em repetir-se. Voltei para casa com a sensação de que só eu tinha mudado. E assim recomecei. Recomecei-me.


Carmo Miranda Machado

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Palavras Versadas


poema do futuro

no futuro já será possível abraçar-te contra o vento
comboios de fulminante velocidade os braços, partir
será como adormecer, levar-me-ás dessa noite onde
se houver pérolas serás a primeira a saber, porque
anjos enferrujados e míopes ajoelhar-se-ão na labuta
das sementeiras cantantes na circunferência do pescoço.
no futuro o verbo amar conjugará botões sincronizáveis
e acreditando nisto saberás que nas florestas à janela
haverá cidades envergonhadas, o amontoado da sombra
fugaz das borboletas arranhará o céu. no futuro poderás
beber o acordeão dos desertos sem que a doce música
seque jamais. o amor será simples nas mercearias da
galáxia. na tua rua a dona roubar-te-á uns duzentos gramas
no capricho da balança. pedirás fiado e que embrulhem
em papel pardo. as crianças trarão no bolso um telescópio
que recicla o medo da distância, um porta-chaves negro
da cartografia da alma e um voucher de luz. no futuro
os bêbados e as prostitutas descobrirão novos planetas
nas palavras cruzadas de indiferença. esperaremos pelo
salvador nas paragens de autocarro não mais que vinte
minutos. escrever-me-ás uma carta a pedir permissão
de cada vez que te apeteça mudar de estação. no futuro
deixará de haver quem sonhe com o passado, haverá
estâncias termais especialidades médicas comprimidos
para enxaquecas de felicidade. dormiremos sobre agulhas
um formigueiro de vertigens alimentará as descobertas
como uma central nuclear onde se funde o impossível.
no futuro não haverá camas nem traições nem desespero
dormente. o vício ficará reduzido à combustão dos violinos
no interior da cabeça. extinguir-se-á o corpo para além do
silêncio. no futuro haverá apenas um final que se prolonga
nos lábios. e o tempo calado depois...


Bill enGates

domingo, 9 de janeiro de 2011

Provocatio


Os níveis do sonho

- Olha-me este! Também andas com uma pulseira de equilíbrio!? Tu acreditas mesmo que isso faz algum efeito?

- O quê!? Isto!? Não me digas que também a estás a ver?


DuArte

sábado, 8 de janeiro de 2011

Crónica Benzodiazepina


Saber a que sabe uma vida normal

Quanto a transportes públicos citadinos, utilizo-os com muita frequência : são úteis à débil saúde das minhas finanças e têm utilidade nas andanças da cidade. É tudo. E a maior parte das vezes, é muito.
Fora isso, antipatizo brutalmente.  Tendem a facilitar a vida, é verdade, mas não a favorecem.  São como certos remédios: dilatam o tempo de vida, mas tiram-nos o brilho.

Dentro da gama dos citadinos vulgares, porém, devo dizer que tenho uma certa queda pela personalidade do autocarro. Acho que é a minha curiosidade meio enfermiça por dois grupos profissionais típicos da Lisboa trabalhadora:  funcionários de repartições (não confundir com escritórios, ou pelo menos, não misturar) e lojistas. Reconheço-os bem, com os seus sacos de plástico (ou papel reciclado), que deixam no corredor, calças por cima do tornozelo (elas), sapatos de borracha (eles). Utilizam o passe social e fazem nascer certos  ambientes dentro do autocarro, porque há odores comuns e há aquele tempo disponível, para partilhar. Diz-se alguma coisa, olha-se lá para fora. Vive-se uma normalidade estupidamente reconfortante. Querem sentir o que se sente com uma  vida normal? Normalíssima? É apanhar o 44, ou o 45 no Campo Pequeno, por volta das 16.30h e ir.
Agora, não se queixem de falta elegância, ou glamour… não há milagres!  Não é o 757 para o JFK e, como sabiamente diz o livro do João Villalobos, “As mulheres bonitas não viajam de autocarro”.


Iolanda Bárria

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011


Verkitschen ist die U-Bahn

Estão lado a lado, sentadas no sofá de riscos transversais, presas ao objectivo que as trouxera até ali. Haveria uns dez minutos que chegaram a casa e se atiraram displicentemente para o aconchego da sala. Ele atiçara a lareira fazendo aumentar o calor; elas bebiam chá, falavam, de sexo, de coisas sem nexo, olhavam-se fixa e mutuamente, davam beijos com as palavras e sussurravam quase-palavras entre os beijos.

Ele queda preso à música, no terno menear dos corpos, calado e constante, observa, serve uma taça de Champagne, enrola um cigarro, observa, concentra-se nelas; elas umas nas outras, despem-se de pudor, puxam pelas roupas umas das outras, despojam-se dos panos estampados de preconceitos – uma camisa aqui, um sutiã ali, uma saia acolá, e todos objectos vermelhos do prazer espalhados por um chão em chamas.

O traje que resta traz a nova personagem: os lábios a desbotar, as meias pelo meio das pernas sempre compostas, os sapatos de bicos afilados, as tangas meticulosamente desviadas pelo toque – tudo são panos de Vénus em pele viva. Alguns minutos depois, as falas que saiem das suas bocas são apenas débeis vagidos, o mundo dança ao rodar em seu redor, e, ao alto e em baixo, as mãos estão por todo o lado coladas aos corpos que anseiam pelo tacto.

À flor dos tapetes fofos, o ansioso enleio dos corpos encerra o cenário: as bocas coladas pela línguas frementes, os abraços desfeitos em carícias, as pernas laços nos laços das pernas, as mãos leves que tocam, mais leve que o suave roçar de uma asa, o cerne do prazer. Os primeiros suores despertos brotam para redundar num incessante escoar do corpo. A atmosfera carrega-se de incensos breves, da fluidez dos odores, da insensatez dos perfumes cálidos.

No final, elas jazem num chão de brasas em fogo lento, sonhando: que riem, às vezes, discretamente; que estão acopladas ao sofá, com cabeleiras empoadas e blusas de chita florida e saias de tule negro; que servem chávenas de chá com leite umas às outras, até derramarem os liquídos sobre os corpos mornos.

Para elas, "Le seule difference entre le beau et le kitsch seront les temps", tal como a única diferença entre a realidade e a noite, apenas residirá no amanhecer de cada uma das suas fantasias. Para ele, a oclusão das lentes é o espaço que se constrói e se fecha à sua frente, o chão que lhe foge debaixo das ideias. Resta-lhe o ar que atravessa para juntar aos olhos a imagem de uma vida que fica presa num olhar perdido.


Joshua M.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011


Viver nas estrelas

As constatações maturadas pela vida sabem a noz. É um sabor sóbrio que exige um palato desinteressado das vibrações histéricas próprias dos gelados de morango ou coisas do género. Um palato mais perscrutante e atento, cauteloso (não confundir com medroso) no que respeita a juízos de valor.
Nos dias que correm, quando as pessoas mostram o seu lado pior, já dificilmente me magoam. Embora nunca o espere, é sempre uma surpresa. Esta constatação foi talvez a maior conquista da minha vida. Olhar o mundo sem esperar aquilo que seria desejável, é algo que se começa a treinar cedo. Mas, olhar o mundo e não esperar o que é possível obter dele, sem que isto nos derrote, é um feito. Em vez de me enraivecer com a mesquinhez e a desinteligência, na maior parte dos casos, sinto mais pena dos seus protagonistas do que qualquer outro sentimento. Lembro-me de Tales de Mileto, gozado por uma escrava por, ao observar as estrelas enquanto passeava, ter caído dentro de um buraco. A escrava olhou-o com desdém e disse-lhe –“Para quê viver com a cabeça nas estrelas e tentar conhecê-las, quando não se consegue ver o que está imediatamente aos pés. Tales retorquiu, “antes viver nas estrelas e cair num buraco, do que viver a vida inteira num buraco e nunca as ver”.


Lucinda Gray

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Há Dias Sem Luiz Pacheco


Comunidade

Estendo o pé e toco com o calcanhar numa bochecha de carne macia e morna; viro-me para o lado esquerdo, de costas para a luz do candeeiro; e bafeja-me um hálito calmo e suave; faço um gesto ao acaso no escuro e a mão, involuntária tenaz de dedos, pulso, sangue latejante, descai-me sobre um seio morno nu ou numa cabecita de bebé, com um tufo de penugem preta no cocuruto da careca, a moleirinha latejante; respiramos na boca uns dos outros, trocamos pernas e braços, bafos suor uns com os outros, uns pelos outros, tão conchegados, tão embrulhados e enleados num mesmo calor como se as nossas veias e artérias transportassem o mesmo sangue girando, palpitassem, compassadamente, silenciosamente, duma igual vivificante seiva.

É um bicho poderoso, este, uma massa animal tentacular e voraz, adormecida agora, lançando em redor as suas pernas e braços, como um polvo, digo: um polvo excêntrico, sem cabeça central, sem ordenação certa (natural); um grande corpo disforme, respirando por várias bocas, repousando (abandonado) e dormindo, suspirando, gemendo. Choramingando, às vezes. Não está todo à vista, mas metido nas roupas, ou furando aos bocados fora delas. Parece (acho eu, parece) uma explosão que atingiu um grupo de gente parada e, agora, o que está ali são restos de corpos mutilados : uma pernita de criança, um braço nu sòzinho, um punho fechado (um adeus?... uma ameaça?...), um tronco mal coberto por uma camisa branca amarrotada. Ou seria, então, talvez, um desabamento súbito, uma avalanche de neve encardida, que nos cobriu a todos, ao acaso, aos bocados, e para ali ficámos, quietos e palpitando, à espera, quietos e confiantes, dum socorro improvável, cada vez mais (e as horas passam!) improvável, incerto, aguardando a luz da manhã, que chega sempre, que acaba sempre por chegar, para vivos e mortos, calados ou palrantes, ladinos ou soterrados, os que já desistiram da madrugada e os que, ainda, contra qualquer lógica, contra qualquer quantidade de esperança, confiam ainda e esperam.
Somos cinco numa cama. Para a cabeceira, eu, a rapariga, o bebé de dias; para os pés, o miúdo e a miúda mais pequena. Toco com o pé numa rosca de carne meiga e macia: é a pernita da Lina, que dorme à minha frente. Apago a luz, cansado de ler parvoíces que só em português é possível ler, e viro-me para o lado esquerdo: é um hálito levemente soprado, pedindo beijos no escuro que me embala até adormecer. Voltamo-nos, remexemos, tomados pelo medo de estarmos vivos, pela alegria dos sonhos, quem sabe!, e encontramos, chocamos carne, carne que não é nossa, que é um exagero, um a-mais do nosso corpo mas aqui, tão perto e tão quente, é como se fosse nossa carne também: agarrada (palpitante, latejando) pelos nossos dedos; calada (dormindo, confiante) encostada ao nosso suor.

(...)


Excerto do texto "Comunidade"
de Luiz Pacheco (7 de Maio de 1925 - 5 de Janeiro de 2008)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Palavras Versadas


SEM DIZER NADA

Gostava realmente de dizer qualquer coisa
É que realmente dá-me a impressão
de ter qualquer coisa para dizer
Só que como de costume não faço ideia
do que seja nem isso importa
O que importa é estar a escrever
para matar o tempo
como se ele fosse demasiado insuportável
Ou como se fosse engraçado estar a escrever
sem dizer nada
As palavras saem-me muito rápidas
e prossigo e penso que é muito divertido
jogar este jogo que é tudo o que existe
As horas vão decorrendo como me interessa
e as palavras proporcionam-me
a libertação única
Nada há que me absorva
senão esta escrita tão natural
a que chamaria anti-prosaica
Permitem-me acaso que lhe chame assim?
Não faz mal o silêncio em que estou
embrenhado não é o mundo ter adormecido
é somente o mundo estar longe
O mundo fica realmente muito longe daqui
E tudo o que é mundo
embora esta escrita lhe toque eu sinto
particularmente que não faz parte de mim


João Belo

domingo, 2 de janeiro de 2011

Provocatio Ano Novo


Calendário gregoriano

Sinto-me um ser sem tempo e assim sou desde o início do tempo, muito antes de Gregório... Um dia destes fujo para o paraíso (perdido) e deixo de viver o tempo a cada novo ano que me impõe o calendário.


M. Jota

sábado, 1 de janeiro de 2011

Crónica Benzodiazepina


Fui...

Podia ter sido apenas mais uma passagem de ano. Mais uma desculpa esfarrapada para juntar a família. Ninguém se fala, ninguém se toca. As palavras, as mesmas de circunstância, sempre vazias, práticas, contadas à letra. Vamos comer e dançar as diferenças - dizem eles - a mudança, um novo ano. Poder começar de novo a vida para repetir tudo igual com sabor diferente. Tudo repetido.
Eis que um tio se foi, ninguém sabe para onde ou se volta; o que se sabe, e é pouco, é que saiu para comprar cigarros. Talvez se tenha perdido na transição do tempo, no triângulo dinâmico onde se perdem as ligações amorosas, os atilhos frágeis que nos unem projectados através do sonho para o pesadelo. Soube mais tarde, que o meu tio se perdeu de amores por outra mulher. Segundo as línguas despeitadas das minhas tias, a mulher é uma puta, uma destruidora de lares. O meu tio já não é meu tio. Foi perseguido até à morte por caçadores de bruxas e feitiços. A minha tia enviuvou de remorsos. Um dia, muito mais tarde, já eu era adolescente, ela enfiou-se na minha cama. Encostou-se a mim como uma nuvem escura e húmida. Chorou o corpo nas minhas costas, nas minhas coxas, no meu cabelo. Chorou como quem suplica amor.


DuArte