sábado, 21 de janeiro de 2012

Crónica Benzodiazepina


can't buy me love

Se eu escrevesse numa revista feminina e a minha cara andasse a passear de autocarro, como na América, este texto chamar-se-ia muito provavelmente: “Como fazer vida de rica sem dinheiro” ou “Dez maneiras para viver à grande sem dinheiro”. Se fosse escrito em inglês, começaria por How to…, esse estilo de incomparável utilidade que tanto nos pode ajudar a perder dez quilos numa semana, como a conquistar o marido da amiga.

Mas como a escrita tem andado escassa, tal como o dinheiro na maioria das carteiras dos nossos empresários e publishers, decidi investir nas mágoas de grandeza - a doença que invadiu as artérias desta cidade, Lisboa que é a que melhor conheço, e das vidas dos pequenos urbanos, que são os que mais sofrem e riem em cima de si mesmos e das suas desgraças, e nos quais eu me incluo. Andamos cheios de mazelas, calos na criatividade de tanto caminharmos, nódoas negras dos encontrões e atropelos aos nossos caracteres escritos, às nossas devoções e paixões. Os mais afortunados têm empregos, os mais aflitos têm trabalhos no regime de cargas e descargas pesadas, e os mais desenrascados têm ambos. (Não vou falar dos desempregados, porque quebra-se a futilidade deste texto). Todos nós ainda estamos para saber como vivemos e chegamos ao fim do mês sem necessidade de voltarmos para casa dos pais. Mas andamos felizes e contentes ainda assim. Não somos muito normais. Ainda agora no facebook “disse” que ia a mais uma festa de abertura de um bar no Cais do Sodré. A vida é bela. No outro dia fui jantar sushi e bebi cosmopolitan. Claro que no dia anterior tingi o cabelo com tinta do supermercado, descansada porque há uma actriz linda e boa, da série Lost, que mente magnificamente na publicidade a dizer que também o faz. Dez euros e noventa cêntimos, em vez dos cento e tal que gastava há uns anos a fazer highlights, dá para fazer uns estragos de cosmopolitans de vez em quando e, a bem dizer, só o olhar clínico de um profissional perceberá que o castanho chocolate que trago ao vento não é igual aos tons que a expert em fashion color me aplicava no Toni & Guy.

Mas este texto começou há uma semana e tal quando um amigo pequeno urbano, recentemente migrado para a capital, me confidenciou: “Gostava de ter dinheiro para a vida que levo”. Eu acho que este início de texto, escrito na rua, à esquina de uma festa, diz tudo.

Para não estragar a frase, "se ele morrer primeiro eu gostaria de escrever no seu obituário", resta-me pedir desculpa a todos os que ao ler este texto pensavam que iam encontrar dez maneiras de fazer vida de rico sem dinheiro. Mas é simples. Substituam neste texto, à medida das vossas tentações, a tinta do cabelo por outras coisas das quais em tempos achavam que não conseguiam abdicar, e os cosmopolitans e o sushi por outras tantas de que gostem ainda mais, e têm o segredo. É a New Age dos pobres de ouro, mas ricos em sonhos. Só não percam é o espírito.
 
 
Ana Santiago

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