sábado, 8 de outubro de 2011

Crónica Benzodiazepina


Homem e fome crónica

Andamos tão cheios de nós próprios… Seres racionais, artesãos pensantes que manipulam a natureza em prol das suas necessidades. Somos seres racionais, dizem, e o quanto isto nos envaidece…
Contudo, é sabido que de estômago vazio o cérebro só se activa no sentido de o encher. O que aliás nos conduz a outra questão – à relação directa entre o estômago e o cérebro e à supremacia do primeiro sobre o segundo. Para o cérebro funcionar, o estômago tem de estar satisfeito, caso contrário o funcionamento deste órgão, que tanto nos orgulha, será ocupado apenas no sentido de o satisfazer da forma mais rápida possível. Então, quem comanda? O magnifico cérebro ou o feio estômago?
À sociedade ocidental esta parecerá uma questão vaga. Poderá faltar o rendimento para pagar o crédito concedido pela banca, a casa, ou os pequenos/grandes luxos a que nos habituamos, mas daí à fome e aos seus efeitos biológicos vai uma distância. Mas, não longe e garantidamente no mesmo globo, esta é uma realidade mais real do que o estado financeiro do Ocidente. Mas, uma vez mais, não durmam na formatura. No Ocidente a fome também existe e se calhar o seu efeito é menos legitimo, menos moral.
Há quem diga que o dinheiro corrompe. Aparentemente, assim é. Sabemo-lo, quanto mais não seja pela História e suas estórias, pelos jornais que diariamente nos relatam manobras menos claras de A e B, associadas sempre à movimentação de grandes somas de dinheiro. Mas… quem é que corrompe ou é corrompido? Aquele que o possui, ou aquele que o deseja? Ambos? É interessante analisar que na maioria destes casos de corrupção em causa não está a sobrevivência, fome, e esta sim, deverá deter o maior poder sobre a moral humana. O que é que está em causa afinal? A ganância pura, o desejo de um poder sem limites?
Do ponto de vista antropológico diria que somos um animal desequilibrado, que transportou para uma realidade, falseada por si próprio, os seus instintos mais primários. Julgo que não deixamos de ser macacos vestidos. Não conseguimos que o nosso magnífico cérebro, o mesmo que descobriu fórmulas matemáticas que nos permitiram chegar à Lua, em última instância, consiga controlar o desdenhoso estômago. A moral e a fome, essa fome crónica que afinal também nos caracteriza, não se dão bem.
 
 
Lucinda Gray

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