sábado, 1 de outubro de 2011

Crónica Benzodiazepina



Uma vida chave na mão

A vida por vezes torna-nos preguiçosos. Esperamos que o destino nos resolva tudo, como se deus fosse um decorador contratado no regime "chave na mão" e ao chegarmos a casa pudessemos sentar-nos no sofá certo, estrategicamente colocado no melhor sítio da sala, nas paredes o tom que nós sempre soubemos desejar, mas que não tivemos de ir à loja escolher, e na cozinha - a pessoa certa a preparar-nos o jantar.
A vida sem empreiteiros, sem deslocações chatas, sem termos de decidir, apenas receber e desfrutar. Tão bom.
Mas a vida revela-se mais nas idas intermináveis às lojas, na procura do mais barato, na indecisão entre a qualidade e o preço, entre ter muito e viver com menos, na escolha das cores e dos feitios, no trabalho em montar tudo e fazer com que tudo encaixe.
A vida é mais IKEA e menos Casa Décor.
E ao fim dos dias até me ponho a pensar: "Ena pá, detestei escolher, destestei ter tido tanto trabalho, mas adoro ter escolhido e adoro ter tido tanto trabalho". E lá me recosto no sofá a pensar que sou muito crescida.
Mas às vezes, ao fim dos dias, ou das noites, sobretudo das noites, dou comigo a pensar: "Caramba, e se tivesse feito de outra maneira? Como naquele filme da Gwyneth Paltrow, em que a entrada um minuto antes ou depois na carruagem do metro define toda a sua vida? E se eu não tivesse ido ali e tivesse ido acolá? E se tivesse telefonado? E se não tivesse dito aquilo?...".
"E se...???"
Raios, se o destino também nos dá assim tanto trabalho, então mais vale ver o último catálogo do IKEA. Os instantes acontecem, ainda não sei é se serão decisivos. Talvez o decorador já tenha a chave, mas só a teremos na mão depois de trabalharmos um bocadinho.


Ana Santiago

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