sexta-feira, 8 de julho de 2011


Sobretudo dedos

Desde que me entreguei, sem travões, aos prazeres da vida fácil que há nos teclados, desaprendi a minha caligrafia. Nunca pensei que desaprender pudesse ser tão indolor. A minha caligrafia desvaneceu-se por falta de uso e foi um alívio, porque enquanto existiu era medonha e autoritária. Uma monstruosidade que criei, alimentei e julguei insubstituível.

A dedicação fiel aos teclados enche-me de alegrias, mas tem altos e baixos, muito derivado do temperamento dos meus dedos.

Certos teclados parecem querer escrever sozinhos, o que não me agrada de todo: ainda nem sequer teclei e a palavra já lá está, sem vigor algum. São teclas demasiado delicadas, por onde os meus dedos, nada delicados, deslizam e escorregam sem atitude nem postura. E, por arrasto, as palavras também, mas no pior sentido.
Faz falta uma dose de pressão e ânsia.

Há ainda aqueles teclados ergonómicos e bem desenhados, esteticamente muito capazes, mas onde sobram dedos por todo o lado. Uma lástima...

Já me encantei com um teclado de teclas profundas, onde teclava como se estivesse a caminhar com pressa de chegar e com neve pelos joelhos. Foram quilómetros nisto. Uma fase de escrita batalhada e suada, que os meus dedos não desgostaram, dado que não se retraem em terrenos adversos. Mas foram vencidos pelo cansaço.
Noutra altura, uma estranha combinação entre o formato de um certo teclado e a articulação dos meus dedos, produziram uma irritante cadência de gralhas em tudo o que escrevia. Irritante, mas também fascinante! Os meus dedos viciaram-se em gralhas e não foi nada, mas nada fácil sair daquilo. 

Escrever é sobretudo dedos. Entrosamento entre dedos e teclados (ou o que for). Estarei a habituar mal os meus dedos?


Iolanda Bárria

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