quinta-feira, 14 de julho de 2011


Os anjos não têm asas

Os anjos, os verdadeiros anjos, não têm asas: é a fé que os sustem no ar.

José Eduardo Agualusa


Quando era miúda achava que ter fé e acreditar em deus eram sinónimos. Um dia ofereceram-me um livro infantil com ilustrações bíblicas. Fiquei de imediato fascinada pela imagem do éden pós-apocalíptico. Guardo até hoje na memória os rostos sorridentes de adultos e crianças, brincando com animais selvagens tão dóceis como cachorrinhos, num campo muito verde e florido. Já então aquela imagem me parecia inconcebível. Era tudo demasiado perfeito, excessivamente bonitinho e aparentemente muito aborrecido. À medida que crescia, de vez em quando, aquele desenho assaltava-me os pensamentos. Acabei por concluir que jamais me obrigariam a ir para um sítio tão entediante. Faltava-lhe emoção e, sobretudo, faltava-lhe sentido. Blasfémia. Toda a gente queria ir para o céu quando morresse e eu a achar que uma misturazinha entre céu e inferno era, certamente, mais aprazível. Percebi mais tarde que essa amálgama é o nosso dia-a-dia. Nunca me pareceu verosímil a estória da criação, segundo a igreja católica. E a ser, compreendo perfeitamente a Eva. Basta proibirem-nos algo para termos logo vontade de desobedecer, sobretudo se não entendermos o porquê dessa interdição.
E a fé? Não tenho asas e por vezes sei que voo. Não vivo no paraíso e tantas vezes já o alcancei – paraísos diferentes, paraísos particulares, a minha ideia de paraíso. Do mesmo modo, já fiz algumas passagens pelo inferno e de lá saí mais forte. E por isso tenho fé sim, muita fé em mim e naqueles que amo. E agradeço à Eva por nos ter salvo daquele éden.


Missanga

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