sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011


Todos os nossos dias

Todos os dias acordamos de sentidos despertos e vemos uma nova luz nascer dia. Apetece-nos ficar e repetir. Repetir indefinidamente cada dia, vivendo-o como se fosse o mesmo. Ficar repousado no simples calor de um beijo e adormecer nas palavras rendidas ao sono. Adormecer no adeus de nunca ir embora. Ficar sem partir, ser demora. Ficar por dentro a ver de fora como adormecemos conchegados numa cama feita de sonhos lavados. Sempre dia à espera do dia seguinte, em que vamos e volvemos e nos contemplamos a ficar. Como se partíssemos sem partir, sem dizer adeus, sempre a ficar.
Não somos, nem podemos ser, sem vivermos aquilo que um vive e o outro vive, sem sermos unidade sendo apenas uma parte unificada de um todo (– por cada um de nós, neste sermos nós). Somos sempre um e só um, a dois, o princípio e o fim da corda atada a si mesma pela força de sermos nós dados cegos. São assim os nossos dias: dias de voltarmos, de ficarmos, ávidos de lamber o sal restante das nossas intimidades. Porque nos nossos dias há uma noite depois de cada dia para estarmos a sós connosco. E resultamos tão sós que nos bastamos a nós próprios restando átomos unidos a uma mole imensa, como se fossemos o mundo inteiro e ainda nós.
Somos os únicos sobreviventes de uma tragédia onde a final só restaram os que se querem ao querer ficar, os que estão amarrados à vontade de se quererem. Somos pedaços colados de uma massa disforme de matéria solta por uma explosão imensa, o resto vivo de um choque entre alguma coisa e uma coisa qualquer – um protão ou um electrão (eu sei lá!) –, o resultado quântico de uma catástrofe atómica e explosiva que devassou os nossos corpos e as nossas vidas para nos levar para uma outra dimensão. Um lugar de nenhures, um lugar a dois onde vivemos uma viagem à roda de nós próprios; uma viagem num meio de transporte inter-estelar que nos projecta em partículas para um lugar de eutopia. Um lugar onde subimos céu e descemos mundo, acomodados sobre uma amálgama de corpos destroçados, de pedaços de gente aspergida pela força brusca enorme.
Antes e depois da bomba somos nós, tudo e todos: explosão ou implosão, quer queiramos quer não, ficaremos os dois até onde chegarmos. Não temos nada. Não nos temos sequer a nós próprios, sendo um e o outro, sem nos darmos. E quando nos damos, nunca nos temos, porque nos damos. Vivemos e não vivemos no meio da cisão de um átomo, no seu núcleo, que cremos (e queremos) seja uno. Somos um ser único porque habitamos os dois num só. Vivemos sempre à espera um do outro, um pelo outro, sempre à espera. Não sobrevivemos um sem o outro...


Joshua M.

Sem comentários: