terça-feira, 1 de março de 2011

1º ANIVERSÁRIO D'"O FILÓSOFO E O FANFARRÃO" (I)


peixe fotografado enquanto voa

Nada mais a fazer. Já não há peixes a florir nas tuas mãos. Já não temos colchão de água na nossa escama. Já não sabemos a fio de terra dos amores-perfeitos. Como seria se tivéssemos plantado uma árvore de onde pendessem anzóis? Haveria tempo para romper o céu com a chuva ascendente de penugem que nasce desde o teu ventre até à reserva natural do teu sorriso? Estava cristalino esse dia — recordo-o assim pela urgência que tínhamos de despirmos cada mentira que nos lastra ao mundo. Esse dia adormeceu com cinzas. E delas cresceu outro; e outro; e outro. Depois as tuas mãos cerraram-se como o medo de um filho. Não estava escuro, recordo. Ainda pude ver ao fundo um reflexo, a difracção de luz do teu mergulho aeriforme. Meu peixe saltador. E eu, ar simplesmente. O pasmo amplexo de uma nuvem perante a consumação do voo. E se te disser que deverias ter ficado na água? Pensarás que te amo... Eu pensaria o mesmo. Não é natural. O que se passou desde que tive nas mãos uma porção da tua água até te tornares este oceano tépido de onde fugiste um peixe que antes me banhava? Terei adormecido nas harpas da tua voz? É trémula, agora, a sensação de procurar com as costas das mãos as asas nas costas que não tenho. Estavas adiante na teoria da evolução. Estás. Isso nunca me fez espécie. Até agora — que somos espécie diferente. Deixa-me contar as letras... sim, ainda tenho quanto baste para uma nova tatuagem. Vou escrever: encontrei o mar deserto e naufraguei na ilha. Pode ser que alguém me encontre. Tenho pouco tempo. Afinal, apesar de tudo, cresceram-me guelras para te respirar.


Bill enGates

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