sexta-feira, 21 de janeiro de 2011



O dia em que acordei velho

Hoje sinto-me velho, muito velho, sou como sou – caminho – sou, sem sentir os passos que pisam as pedras de que me asfalto e cubro.

Hoje sinto-me velho, velhissímo, como se todos anos passado-vivido condensassem o peso dobro de um dobro elevado a um cubo sem saída e me fizessem soçobrar arrastado pelo sentido de reiterados séculos sem forma. É asssim a vida que não vivemos para dar lugar morto ao vivo por viver, é o que nos ensinam (como ensinam às crianças razoáveis) – "sê vivaz para sobre-viver!"

A poeira do tempo que passa por nós e assenta sobre os ombros, com capa de bonança e peso de temporal, é a caspa branca da neve, o Tempus Fugit que nos aporta um aspecto sujo e nos arrefece aos poucos.

Envelheço e vivo, como se o tempo se acabasse depois das palavras que ainda não conheço; vivo e envelheço, como se lesse a vida que vem a seguir às palavras que vou descobrindo em cada morte. Sim, há dias em que morro por desilusão, por saber que tudo o que sou no meu íntimo vai ser remoidamente deturpado por uma máquina de dentes de aço inolvidável.

As cãs cobrem-me as fontes sêcas de onde já não brotam poemas, apenas a ausência de cor/acção sobrevoa o cocuruto do meu vazio, apenas palavras trazidas no bico de uma ave, um ou outro pequeno galho figurado como uma ideia a jeito de compôr um ninho sem crias sobrevivas.

Tenho mil e quinhentos anos de frases desfeitas em cada pensamento, tenho um sonho anquilosado a mover-se dentro de mim, reumaticamente apoiado numa bengala que me espeta contra as vísceras, – é um sonho velho, lúcido, mas já sem forças para se erguer sozinho.

Cheguei a mim depois de ter passado pelo mundo, onde os outros riam e choravam para ver se estava atento ao seu estar a ver-me passar. Nunca mais vou sair deste lugar onde me acoito, porque a minha toca é o mundo inteiro visto de dentro para mim de fora.

Estou falido e gasto como o orçamento do estado fisíco e quântico em que me encontro. Faço contas, reconto, e nunca me encontro. Só eu, só, comigo. Um dia, num dia qualquer, chegará o dia em que faço como Nero: e, enquanto dedilho uma harpa, incinero toda a contabilidade dos feitos e desfeitas num leito de calores fluídos. Para lá do caos, muito para lá, durmo sobre as cinzas em banho lento desperto.

E ao acordar de um dia novo, cheio de cores nos olhos e puberdade na alma, desponto como as flores para pintar de mil matizes a primavera.


Joshua M.

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