quarta-feira, 1 de dezembro de 2010


Tudo de Novo

Sim. Quis fugir. Era-lhe absolutamente necessário abandonar aquele cenário que cheirava a mesquinhez, burocracia, mediocridade, a papéis inúteis já utilizados que nada diziam.
Fugiu então pelo seu corpo dentro, subiu pelos seus lábios acima, e sem e ignorar uma única esquina, vale ou lomba percorreu o seu caminho. Já do alto dele, algo cansada, mergulhou. Entrou no portal que procurava. Ali, deixou então o seu corpo, deixou-o assim, sem dificuldade, como serpente que larga a pele.
Quando olhou para trás e viu aqueles dois juntos, fundidos um no outro criando um novo ser de quatro braços e pernas entrelaçadas, a respirar pelo mesmo pulmão, riu-se, leve. Percebeu que o acto era absolutamente divino e que era por ali.
Seguiu em frente, entrando noutra dimensão, num universo sem temperatura nem forma. No paralelo em que tudo começa e acaba, em que tudo se dissolve e se recompõe. Nadou em líquidos cuja composição desconhecia, contornou sombras que a acariciavam com a flexibilidade de músculos tonificados, generosamente descontraídos. Líquidos etéreos sem temperatura, luz sem fonte, pulmão de água. Perdeu todos os sentidos e ficou suspensa, sem oxigénio, sem cor, sem nome, sem tempo.
Não quis regressar, mas uma força que a sugava impedia-a de ficar. A custo, a pele reocupou a fronteira abandonada e novamente sentiu na carne a dor doce do outro. Depois de habituar os olhos à meia-luz, murmurou – “um destes dias não volto.”


Lucinda Gray

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