sexta-feira, 10 de dezembro de 2010


Perdas Soltas

Gostava de a admirar com as meias rotas pousadas nos cotovelos.

Ela era vida e vontade e lida; e eu apenas corpo que escorria do seu corpo.

Ela habitava languidamente os muros que envolviam todas as ruas, pedras soltas por onde batia os meus velhos passos sempre batidos.

Tinha no porte o sabor embalado das gôndolas levadas pelo destino, num mote de andar por andar à deriva da aceitação social.

Partia a horas e ficava. Restava e repartia –

E por ela me sumia num solilóquio apartado:

Os amantes ficam partidos ao meio, por terem outra metade;

Os amantes comem chocolates com pontos negros, num regime de açucares lentos presos aos lábios, e restam prenhes de radicais desejos completamente livres.

Num dia claro um grito libertou-se de uma boca cerrada e fugiu por uma quelha apertada.

Não posso escrever chuva sobre as linhas do caderno diário, sem antever uma tempestade de palavras.

Só escrevo porque não posso parar de ler, de caminhar por cima do mundo, para o entender de todas as formas que os outros não podem ver de olhos vendados.

Sigo, falo e falo, falo por mim falando por falácias, e nunca me calo sem me dizer o que quero ouvir.

E agora conto uma estória: As galinhas não têm ética e chocam os novos.

Fico aborrecido quando o mundo se acaba, muito aborrecido com a falta de existência.

"Só sábios éramos sete, só sábios éramos sete": Dizia o Zeca, entre os passos da turba, à malta.

Sou eterna pedra para rolar, rolo a empedernir. Sempre o retorno num cambaio de Sísifo para ludíbrio de Tanatos.

Ainda gosto de a sonhar com as meias rotas pousadas nos cotovelos e o ar de quem não sabe de onde vêm as gaivotas, simplesmente porque não viu o filme até ao fim.

Ainda fico sem caminho e com os sentidos em franjas, finas fitas de lata, quando ela me olha com olhos de faca amolada.

Como quando ela vem e volta em revolta:

Ela canta e come pevides de abóbora menina; empurra a voz com ideias politicamente correctas e cospe as películas directas ao rosto dos ataráxicos.

Mas quando ambos ficamos surdos e não falamos, vem o conflito entre a vida e o olvido.

Ficamos como duas pedras dispersas, entre a morte e a Pérsia.

Como ovos estrelados sobre a carne em pose, a morte é o contínuo escorrer dos fluidos a cobrir de amarelo gema a pele clara desmaiada.

E quando ela diz persa, fico aguado até ao golfo, lá onde arde a guerra ao troar dos milhões.


Joshua M.

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