quarta-feira, 8 de dezembro de 2010


Graus de vida

Vida. Graus, ou degraus de vida. Quando sinto a vida a abandonar-me o corpo e a mente, como um veleiro abandona o cais, lento e silencioso, olho-me de fora, de cima, e analiso-me desapaixonadamente. Vejo-me como quem observa um rato na sua lide absurda. Pouco ou nada faz sentido. Nem o bom, tão pouco o mal. A vida pulula ao redor, mas não me pertence. Vejo os adolescentes na sua histeria habitual, os senhores e as senhoras das actividades, os empresários das lutas e as crianças no esforço sobre-humano de aprender a andar. Vejo o meu corpo ali, pelo meio, mas é como se não fosse meu, não me pertence realmente. É apenas uma massa patética que se move, obrigada pelas leis da física. Fico mais próxima das montanhas. Identifico-me mais com elas. Assim, quietas, obstinadas, passivas, imóveis. Aí, a vida está para mim como o nevoeiro está para elas. Um manto branco que por vezes nos cobre, molhando apenas a superfície. Dentro, no interior, milhões de anos de vida e morte solidificada, edificada, absolutamente indiferente ao mar, ao sol ou à Lua, aos Homens.
A terra atrai. Tem um íman que nos suga, como quem por nós chama para que regresse a si. Creio que reclama a sua propriedade. Dou por mim a perguntar-me se este fenómeno será velhice. Percebo que sim. Não se trata de uma velhice de corpo, mas sim de alma. Em criança, deitava-me sobre a relva e sentia-me afundar nela, aninhava-me, tão reconfortada como se estivesse no colo da minha mãe. Sentia que de mim cresceria mais relva e, aí sim, era parte integrante de um todo. Este fenómeno não tinha nada de mórbido. Não se tratava de um desejo de morte, mas sim de vida no seu estado mais bruto, puro, vital. Um regresso à essência, à matéria-prima. Adorava o seu cheiro húmido e fertilizante, tão parecido ao sangue, cujo sabor também me agradava muito. A vida dos Homens, já nessa altura, me parecia monótona, repetitiva, previsível, desinteressante, cansativa e, o pior de tudo, inútil. Engraçado chegarmos à conclusão que vivemos quarenta anos e o que aprendemos é que tínhamos razão aos cinco anos. Com essa idade já sabíamos tudo o que era digno de se saber.
 
 
Lucinda Gray

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