terça-feira, 16 de novembro de 2010

Palavras Versadas


gato sobrevivente

ao jantar os meus filhos
perguntam-me quanto tempo falta para o mundo acabar.
os filhos perguntam quanto tempo falta
para o pai acabar.
perguntam-me quanto tempo falta para acabarem.
em resposta faço-lhes o prato
com vegetais e peixe e hidratos de imprecisão,
dou-lhes palavras que nunca mais acabam palavras
oleosas, emaranhadas nas facas, nos garfos
que deixam marca nos copos e nos guardanapos,
digo-lhes que se despachem,
que já falta pouco tempo para fecharem os olhos
e eu desejar poder mergulhar nos seus peitos minúsculos
para lhes polir o coração que nunca acaba.

os meus filhos perguntam-me qual é o rating da vida
qual é o spread do amor
em que clube joga o fmi
quando entrará em erupção o primeiro-ministro
por que é que os vulcões não pagam portagem
de que lado ficam o máximo e o mínimo do oriente médio
se algum dia as estrelas serão condenadas
por trazerem cancro à alma dos meninos condenados
e que investigador descobrirá uma cura a sério
ou que cura descobrirá um investigador a sério, porque
os meus filhos gostam de brincar com as palavras
que nunca acabam, e se um dia lhes poderei
comprar as possibilidades que viram num anúncio
no intervalo das certezas.
ao jantar os meus filhos perguntam-me se o destino
também é corrupto, se aceita subornos.
durante as imagens de uma ambulância incandescente
e de um curioso gato que não morreu
os filhos perguntam depois da morte o que há de sobremesa
 
 
Bill enGates

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