quarta-feira, 1 de setembro de 2010


já vou

e como se o vácuo fosse imenso, como se infinito o tempo fosse à nossa frente, e não parasse, deitas-te só mais um pouco, porque está frio, porque tens sono, porque te dói o corpo e não dormiste nada, porque não te queres levantar, porque te dói a alma, nada te espera lá fora, nada te espera cá dentro. e como se criança fosses, agitas os braços e franzes o sobrolho quando te abano levemente e te digo para te ires vestir, porque tens de ir trabalhar, porque tens de reagir, porque assim nunca te curas, porque assim nunca queres ficar bem (porque assim ainda tenho de fingir que me quero levantar, porque assim ainda tenho de acordar para o frio que lá fora me gela mais que aqui onde sozinha fico em mim sem me ver). e como se não me ouvisses, porque me ouves alto demais, viras-te para o outro lado e tentas dormir, para ver se a dor passa: a da cabeça, e a da ausência que há em ti. fazes-te falta, porque te foges. e és ainda a criança que chora no escuro, ao fundo da escada, com os gritos que vêm lá da sala ecoando à tua volta como um grito de guerra, nessa guerra que, invadindo-te, os gritos lançaram em ti: porque nunca mais foram embora, nunca mais abriram espaço para que te visses ou para que visses que talvez exista hoje algo melhor. e matas o que é fraco nos jogos que te sufocam a raiva, porque os choras. e chorando-os mata-los sempre. afinal, não é essa a lei da selecção natural? fracos e fortes, fortes sobre fracos, fortes contra fracos, fracos em fortes...afinal, não foi isso que aprendeste? não é isso que choras, agora que criança ainda tens medo do escuro? agora que como criança te escondes entre as mantas para não ter de viver?
e como se tudo estivesse bem, acabas mesmo por dormir, entre os gritos cansados que te explodem na mente, entre os tumultos que lentamente se afastam com a consciência, e vem a calma, vem a calma, a calma... até o dia há-de novamente surgir. para te comer. porque o dia volta sempre, tal como não queres, e nunca vai parar. mas, como se isso não te importasse, dormes... só mais um bocadinho.


Virginia Machado

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