sábado, 18 de setembro de 2010

Crónica Benzodiazepina


O Castelo

A vida pode ser mais rica do que a ficção. Pode ser tão, tão rica que quem a vive em pleno e deseja representá-la na escrita, na pintura, ou até mesmo sintetizá-la em meras palavras, poderá sentir-se como um gato que acumula no estômago uma enorme bola de pêlo que não consegue expelir. Pelo menos, não sem ajuda de um veterinário.
Às vezes gostava de escrever a sério, sobre a vida, coisa séria. Ficcionando a partir de experiências pessoais e do conhecimento das experiências de terceiros, entrelaçando histórias como quem urde fios até constituir um tecido próprio. Mas a sensação é que há demasiada história para contar. Por vezes, a vida está para o conto como o concentrado de tomate está para um cozido.
Os tempos que se avizinham anunciam que este “enriquecimento” não atingiu o apogeu.
As mudanças radicais de vida prometem ser um recurso forçado para muita gente.
São sempre difíceis as mudanças radicais. São fruto de um confronto entre uma escolha e a negação da mesma, ou o fim de um caminho que se revelou inadequado. É um confronto não só para com as limitações que o próprio mundo coloca mas também, e principalmente, para com as nossas próprias. Se não houver um mínimo de auto-estima, um mínimo de coragem, essas circunstâncias tornam-se arrasadoras.
É uma arte olhar para a vida e, em vez de ficarmos a “lamber feridas”, ou a arrastarmos situações que não são promissoras, há que enfrentá-la como a possibilidade de se reinventar uma nova forma de estar.
Todos temos uma história de vida. Um percurso feito de escolhas, pensamentos, ilações…. Às vezes, estamos cansados. Outras vezes, gostaríamos de apenas parar um pouco, viver das ilações apreendidas pelas experiências do passado, atingir a “base” de onde se pode começar a construir solidamente. Mas a vida nem sempre se organiza dessa maneira. Se calhar, quando construimos um castelo, temos que escavar mais fundo, pois os alicerces necessários são grandes - têm que suportar um enorme empreendimento espiritual.


Lucinda Gray

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