quarta-feira, 15 de setembro de 2010


A Chegada de Sofia

Sofia chegou nesse dia desfeita de braços e de alma com o peso das malas e com o desgosto que a abatera nos últimos meses. Largou tudo no meio da sua sala que não via fazia muito e cheirou o bafio cinzento abandonado que dominava a casa toda. Acabara de chegar de Atenas, cidade onde leccionara durante os dois últimos anos. Trazia, porém, consigo ainda o olhar castanho de candura inexplicável combinada com um sorriso que surgia muitas vezes de forma imprevisível e deixava qualquer pessoa sortudamente desarmada.
Rapidamente deu uma volta esvoaçante por toda a casa para verificar se estava tudo como tinha deixado antes de partir. Bastava agora abrir as persianas e as janelas e trazer a casa de novo à vida. A luz do sol entrou sem pedir licença, coada pelo pó que pairava, e depressa Sofia se apercebeu que tinha muito que limpar e arrumar. Não demorou a levantar todos os lençóis e trapos enormes que protegiam os móveis e pechisbeques. A lassidão da casa deu lugar a uma lascívia irrequieta e inquieta que havia de querer revigorar a alma de Sofia para uma nova vida.
Mal viu o seu largo sofá cor de avelã, atirou sem misericórdia o seu corpo castigado e estendeu-o lá, esquecido por umas horas.
Na manhã seguinte, apareceu de surpresa à mãe. Assomou à porta da loja com os seus cabelos sempre soltos e rebeldes, mais escuros pelo tempo, e a mãe desatou num pranto como se ela tivesse acabado de regressar de uma longa expedição à savana africana ou de uma participação na guerra do Iraque. A loja era uma pequena retrosaria na Rua das Flores que Sofia vira mingar à medida que ela crescia. Desde pequena passava os seus momentos lá, os seus esconderijos ainda estavam no mesmo sítio para quando fossem precisos. A mãe enviuvara há muitos anos. Era uma mulher extremamente emotiva que não podia deixar de ver na filha o último reduto de esperança no prolongamento da espécie. Transmitira-lhe o ritmo da gargalhada e as cores dos sonhos, sempre fantasiosos e fugazes. A filha teria que ser o que ela não conseguira ser em nova, o que constituía, muitas vezes, para Sofia um problema.


Berenice Greco

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