sábado, 21 de agosto de 2010

Crónica Benzodiazepina


O círculo infindável do amor particular

Deixa-me escrever em vez de discutir. Deixa-me meditar primeiro, antes que a visão fique turva pelos vícios ancestrais e faça do meu discurso um círculo privado.
Foi no Continente que me surgiu a ideia. Foi a capa daquele livro que me chamou a atenção. O título, a contracapa, um cientista em contra corrente a escrever que todos os fenómenos são cíclicos. Todos sem excepção, repetem-se após intervalos aproximados de tempo, manifestando-se em acontecimentos de visibilidade aparentemente igual. Não li muito do livro, porque só lá fomos comprar uns queijos e umas caixas de cereais. Fiquei pela contracapa. Mas ficou a ideia, mais uma.
As minhas ideias surgem assim. Ou é um cartaz a dizer que quem quer experimentar coisas novas compra no LIDL, ou é a capa da Visão, alertando que 70% das doenças do nosso tempo são provocadas pela qualidade da carne que comemos (o que é uma tanga). As minhas fontes são as vossas fontes. Eu leio o que toda a gente lê. Talvez não leia é da mesma forma. Conjugo tudo como se fosse um enorme puzzle. O espaço imaginário que defini como realidade, estilhaçou-se em mil partículas. Cabe-me juntar tudo numa única existência e acabar com o inferno que criei para me deitar.
Voltando ao livro e pelo pouco que li, aparentemente, todos os fenómenos são cíclicos. Das partículas atómicas ao movimento dos planetas, às calças boca de sino, às tendências de música e do yoga, à vida e à morte, aos vírus, às guerras, às crises financeiras, aos títulos do "Futebol Clube do Porto" - tudo manifestações visíveis de repetição. Para uns, isto é o mesmo que encolher os ombros; para mim, é levar com um projector de luz vindo do céu azul.
O círculo infindável do nosso amor particular é mais fácil de compreender; é nosso, é sofrido, é apaixonante, já teve tempo suficiente para dar muitas voltas. Tem todos os ingredientes para ser previsível para os amantes. Para mim, cada vez mais atento, é como se estivesse a repetir uma série televisiva: triste, melancólico, excitado, eufórico, porque prevejo o episódio que se segue, e o seguinte, e o seguinte, e o seguinte... até ao último, antes da série recomeçar de novo. Já estás a ver onde quero chegar!?
A pergunta, que ontem me fiz a mim mesmo, é muito simples:
- Terá que ser sempre assim?
Teremos que morrer sempre que nascemos? Não será a morte, como ele dizia no outro filme, apenas mais uma doença? E se é uma doença, não haverá por aí uma cura? Se o nosso amor particular quer romper para o amor verdadeiro, o eterno e imutável sempre, nunca será através do corpo que envelhece, nem será através das sensações e sentimentos que o cérebro nos proporciona, porque no dia em que o corpo morre, eles vão junto.
A resposta para a pergunta não é facilmente digerível. Mas é a resposta que encontrei dentro, no tal espaço silencioso, cada vez mais silencioso, para onde vou quando fecho os olhos.
Se o corpo morre, se o prazer morre com o corpo, se o amor particular, a alegria, a felicidade estão tão condicionados pelo corpo e pelo seu prazo, então não quero amar-te mais enquanto corpo.

O amor particular como meta, faliu dentro de mim. Nasceu como um pregão, cantei-o, e extinguiu-se por fim.


DuArte

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