sexta-feira, 23 de julho de 2010


the queerest of the queer

Puxar o cabelo para trás, endireitar as costas, mudar de posição num pequeno contorcer das nádegas, maior o aparato do que a real deslocação. Não, não há canetas, hoje teclas. Sinto falta das canetas. De sentir as canetas entre meus dedos flutuando, riscando raiva, amachucando o papel, atirá-lo e nunca cesto no caixote ao fundo. Hoje só teclas. E a falta de sentir algo palpável. Algo que seja além de mim.
Há tanto tempo... outra pessoa que não eu. Agora o espelho a gritar eu, mas já não ser eu. Uma face vazia, uma cara qualquer, tão sisuda e enfadonha, tão nula, tão nada. Se o fracasso tivesse rosto, sei-lo, seria assim. Seria eu.
Em tempos, ouvi dizer que renasceu vida por entre as rochas. Flores à tua volta e assim um novo alguém. Contigo sempre só alguéns. Não sei sequer se temos nome. Acho que sem o saber, certamente sem o querer, alguém me revelou o que calculo que quisesses esconder. Depois de mim o mundo não parou. Sempre tu e o teu astro imaginário em que envolto te vês. Iluminado, julgas tu. Asseguro-te que a lâmpada está fundida. Não emite calor algum. Há muitos anos que, como eu, é somente um nada. Um calor de nada, um sentir de nada, um viver de nada, um amor de nada. Era de ausência de respeito a que se quer chamar amar.
Acabei por descobrir o que significa definhar sem estar doente. Se encosto os dedos uns aos outros descubro inusitadas camadas de gordura; o meu corpo meros ossos segurando a pele manchada de altinhos brancos; já não vejo madeixas de cabelo cair-me no rosto, camadas de empapada oleosidade juntam todas as fibras capilares; se os pés me gelam lá em baixo não quero saber, e a minha cama é o mundo inteiro. Às vezes rompo com a letargia e encontro o abismo. Pesadas camadas de névoa à minha volta, e um pânico crescente em auto-ódio, perder o medo ao tétano e golpear-me furiosamente. Porque mereço. Porque falhei em tudo. Porque me envergonho. Porque agi mal. Porque te perdi. Porque nunca te tive. Porque perdi por ti todo o resto da minha vida. Porque tenho culpa. Culpa de tudo. Porque talvez esta a única coisa que hoje consigo sentir. A dor que não seja por dentro, mas vinda de fora. Porque assim algo é real. Porque custa muito menos.
Queres crescer? Queres secar dentro de mim? Por favor, aceitas corroer-me, destruir-me por dentro? Vem, por favor, eu deixo... Eu juro. Só quero que em ti me mates. Só quero que em mim tu morras.


Virginia Machado

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