sábado, 24 de julho de 2010

Crónica Benzodiazepina


Quase um rosto

A luz da mesinha de cabeceira ainda ficou ligada por mais alguns minutos. Os mesmos minutos que me abraçaram à X. Quando a luz se apagou, rolei o meu corpo, suspenso nas nossas últimas palavras. Eu nunca sei de onde vêm as palavras, os pensamentos que escrevo. Adormeci a olhar os pequenos traços de luz que iluminam a cortina, procurando neles uma resposta para a intuição.
Quando acordei, se sonhei, já não haviam imagens na minha memória. Um guindaste arrancou-me a preguiça da cama. Sentei-me a confirmar que o dia era outro, com uma erecção entre as pernas. Fui assim para a casa de banho, nu, aos olhos da minha companheira, sentada na sanita, meia a dormir. Intrometi-me entre ela e o lavatório, sorrindo maroto, para que me desse um bom dia.
- “Credo...! Que se passa contigo?”
- “Anda lá.. Não te faças difícil.”
Adoro esfregar óleo no meu corpo antes do banho. Gosto do meu corpo, macio e elegante. Sentem-se os músculos. Gosto de os estender, lentamente como um gato, enquanto a pele absorve o óleo. Ela já despira as roupas quando se sentou no meu colo reluzente. Dobrei a insistência do pénis e senti toda a doçura da X. ao encostar-se a mim. Abracei-me a ti.
- “Adoro o teu corpo de menina...”
- “Não me achas demasiado nova? Já agora, é a este corpo que se deve o teu estado?”
- “Sim. Deve-se a ti, a ela, ao estado de coisas que me atormentam a alma.”
- “Bem me parecia...”
- “Talvez seja dos dias estarem tão quentes. O Outono disfarçou-se de Primavera. O pólen disfarçou-se de cocaína e entranhou-se no meu cérebro.”
- “Podes dar-lhe outro nome que eu não me importo.”
Partilhar um duche contigo é como partilhar uma cama com o diabo. A água a correr nos teus seios, no desenho fino do teu sexo. Poder tocar, molhar-me em ti, beber de joelhos a água perfumada do teu desejo.
- “Pensaste nele?”
- “Penso nele sempre que penso em ti. Tortura-me não ter tempo para os amar a todos.”
Nem todas as mulheres sabem a sexo. Tu sabes. Nem sempre, porque o teu corpo não é apenas instinto. É preciso verbalizar para entenderes a primitiva razão. O desejo de perder tudo por uma foda no escuro, encostada a uma porta, no banco de trás de um carro. Com ele, ou com todos os que te assaltam com emoções.
- “Podes dar-lhe outro nome que eu também não me importo. A sério que não me importo.”
Desde que me deixes beber esta água, eu próprio farei as camas, estacionarei o automóvel nos parques escavados, encostado à porta, a abafar as investidas do vosso prazer.
- “Deprime-me que o mundo termine tão cedo. Logo agora que estás assim, tão dócil, que não escondes nada, que me permites ser genuína, mesmo que a verdade afinal, não passe de uma fantasia.”
É sempre ela a ir buscar as toalhas longe demais. Amo os seus passos a pingar água. Os pés delicados, as covas ao fundo das costas.
- “O mundo não vai acabar.”
O mundo não investe contra o pecado, não é uma força independente, não é um deus-todo-poderoso. O universo é tão grande, tão infinitamente inconcebível para as nossas cabecinhas. O universo não é outro que tudo e todos, uma borboleta, um cometa, um pensamento, tudo molas de um mesmo colchão. Deitas-te numa ponta do colchão e todo o colchão mexe. Por vezes muito, por vezes de forma subtil, mas tudo afecta tudo. O nosso mundo está a mudar, agora como nunca, vertiginosamente. Mas tudo se passa cá dentro. A informação espalha-se ao vento. Jesus escreve pelas mãos de uma médium. O “Conselho dos Doze” orienta acerca do que fazer nos tempos que se avizinham. Livros, Heróis, poderes miraculosos. Todos apontam o mesmo caminho.
Somos livres. Somos nós quem governa. Se o universo se revolta, é porque a revolta está a acontecer dentro de mim. O que eu vou mudar, vai mudar tudo. Vou virar isto de pernas para o ar. O que se pede é que soltemos amarras. Que vivamos de forma genuína. Uma festa contínua, feita de alegria e felicidade constantes. Um salto. A condição humana está a armar o salto. É lindo demais para não ir à frente.
E tu, minha querida... Quero-te sempre ao meu lado!


DuArte

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