sábado, 3 de julho de 2010

Crónica Benzodiazepina


Bendito tempo perdido


Perder tempo não é nada de grave. A vida não é uma corrida, mas um tiro ao alvo: o que conta não é a poupança de tempo, mas a capacidade de descobrir um centro. Senti isto a vida toda. Raramente senti pressa, urgência no resultado dos meus actos, mas sempre me preocupei com os objectivos dos mesmos. Ganhar dinheiro para quê? Para comer? Sim. Para viajar e assim conhecer o mundo que nos circunda? Sim. Para poder sustentar filhos? Sim senhor! Dinheiro por dinheiro? Não. Porque o que dedico a esse ganho é muito mais caro do que o que recebo ao fim do mês. Não há dinheiro que pague o tempo que poderemos facultar a um ofício que não nos preenche. Para descontarmos para a Segurança Social? Bem…não sei se já ouviram falar disso, mas… a Segurança Social está em falência. Assim, não resta outra possibilidade se não encontrarmos prazer naquilo que desenvolvemos profissionalmente, pessoalmente, familiarmente. Mas como não somos, infelizmente, cristalinos como água, ao longo da vida podemos chegar várias vezes à conclusão de que aquilo que julgávamos ser o ideal para nós afinal não o é. Ou que deixou de o ser. Isso não é uma desgraça. Desgraça é insistirmos num erro. Maior desgraça, ainda, não termos consciência de um erro. Não nos sentirmos! Pensar que um erro foi uma perda de tempo é uma imbecilidade. É com os erros que se aprende. Estaremos a dizer que a nossa própria formação foi uma perda de tempo? Creio que para alguns é mais fácil encontrar um centro. Talvez imbuídos por desejos colectores ou egocêntricos. O meu centro nem sempre foi claro, nunca muito prático. Quis, e quero continuar a conhecer-me, conhecer também quem para mim importa. Essa curiosidade não tem um carácter romântico, pode até ser bem cruel, porque nós não somos perfeitos. Apreendermos os nossos defeitos, as nossas limitações, não é uma tarefa simpática. No que se refere a quem amamos, poderá ainda ser pior. Contudo tem sido este meu nublado centro que me tem mantido interessada na própria vida. Neste processo redescobri um centro. Conquistar o prazer pleno de estar viva. Prezei a Paixão por tudo. Tudo por Paixão. Prezei o Amor. Tudo pelo Amor. Apercebi-me da profunda existência da Dor em ambos os processos. Sempre presente, a Dor. Nada provoca tanta dor quanto a Paixão e o Amor. Não a reneguei. A dor para ser conquistada e assim, superada, deve ser vivida, atravessada. Nunca a deveremos renegar, recalcar. Fugirmos dela é dar-lhe o poder de a perpetuar. Hoje, considero o Prazer o mais sublime objectivo da nossa vivência. Não falo só dos prazeres mundanos. Refiro-me ao Prazer de Amar e de sentir a Dor que acompanha esse amor. Prazer de sofrer por uma Paixão. Prazer pelo prazer no desempenho das mais pequenas tarefas que tenhamos entre mãos. Prazer no desafio de ultrapassarmos uma situação difícil. Prazer no amadurecimento do nosso corpo, da nossa mente. Prazer na visão, no tacto, no paladar, na audição, no olfacto.
Se perdi tempo ao longo da vida em busca de algo tão simples, bendito seja o tempo perdido.


Lucinda Gray

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