quinta-feira, 10 de junho de 2010

SEMANA DO EROTISMO IV


A Noiva do Santo

I

Teresa quase cai do segundo andar, enquanto espera, encavalitada sobre o peitoril debruado de sardinheiras, que a mãe lhe acabe a bainha do vestido que vai levar à marcha de Alfama esta noite. O suor já lhe escorre no colo e entre as pernas. Que raio de figurino. Tecido a mais, folhos a mais, comprido de mais, decotado de menos. “Mãe pareço um manjerico. Até as Noivas de Santo António hoje estavam mais bonitas do que eu…”. Não é assunto que a dona Fernanda goste de ouvir a filha falar. O ano passado estava entre as escolhidas para os Casamentos de Santo António, mas desistiu. Foram precisos muitos favores de costura e muitas tartes de amêndoa para calar as más línguas das vizinhas e os comentários jocosos na taberna depois do espectáculo que a Teresinha fez o ano passado, uma semana antes dos casamentos, com o noivo, em frente à Igreja de Santo António…

II

A mãe de Teresa e as vizinhas tinham saído depois do jantar para o habitual passeio recomendado pelo médico do posto para tratar da osteoporose e do colesterol, quando viram a Teresinha ajoelhada aos pés do namorado, o João Paulo, junto à imagem de Santo António no largo da igreja. A dona Fernanda pensou que era a filha a fazer uma promessa ao santinho que desde criança venerou, mas depois o futuro genro virou-se, branco, em pânico, e gritou: “Ó dona Fernanda, a sua filha tem destas coisas e sabe que um homem não resiste!”. A dona Fernanda quase desmaiou, mas teve de acudir às vizinhas que se benziam de boca escancarada. Teresinha levantou-se, limpou a boca com dignidade, sacudiu a saia, deu uma estalada no noivo, benzeu-se perante o seu santo de devoção infantil e fugiu dali com as lágrimas a escorrerem pela face. No caminho para o Miradouro de Santa Luzia, onde ia tomar a decisão de cancelar o casamento, ainda sentiu o sabor amargo da lágrima misturada com um resto de sémen de João. Ele tinha sido sempre o amor da sua vida, era o irmão mais velho da sua amiga Antónia, o rapaz mais cobiçado da Bica, mas que passava a vida a namorar as raparigas de Alfama, onde ia amiúde para casa do avô alfaiate. A primeira vez que tinham feito amor, ou sexo, ela não chegou a perceber, foi no vão das escadas da alfaiataria, depois do seu 22.º aniversário, numa noite fria de Agosto. Já lá iam três anos e depois disso o sexo nunca foi muito explorado, apenas a penetração saudável e agradável que um namoro sério oferecia aqui e ali, nas ausências paternais, ou numa ou outra saída nocturna. Duas noites antes, tinha acordado com uma sensação diferente e muito corada. Sonhou estar vestida de noiva e a fazer sexo oral ao João, ao pé da estátua de Santo António. A excitação que experimentou rompeu o hímen de todos os seus pudores. E assim, num passeio nocturno, enquanto planeavam a vida futura e falavam das almofadas que ela tinha comprado para a cama de casal, ajoelhou-se aos pés dos seus homens, João (o noivo) e António (o santo), e devotou a sua boca, e a sua prece silenciosa por uma vida de paixão, ao prazer que ambos lhe inspiravam. Agora estava tudo estragado. Teresa não queria mais casar com João. A madrinha sempre lhe tinha dito: “Só se desilude quem se ilude”. E era bem verdade.

III

Desce a correr para a rua, com o tafetá a roçar nas paredes da exígua escadaria do prédio. Já está atrasada para o último ensaio da marcha, mas antes tem de ir ter com António. Ninguém sabe, mas naquela noite o santo começou a falar com ela. Depois de sair do Miradouro, onde encomendou o corpo e a alma de João Paulo a um purgatório emocional, regressou ao largo da Igreja, baixou a cabeça e suplicou: “Querido Santo António da minha alma, tu que sempre velaste por mim, diz-me se alguma vez serei feliz se encontrarei homem que me mereça. E já agora desculpa se te faltei ao respeito, mas fi-lo por amor e sabia que não me ias levar a mal. Sabes, eu achei que ao pé de ti não era pecado e que tu me protegias”. Quando olhou para cima, Teresa não queria acreditar, debaixo das vestes de Santo António tinha crescido um alto.… Em miúda tinha lido um livro proibido em que se chamava ao pénis a “lança do amor” e a do santo tinha-lhe agora atravessado a alma.

IV

Desde criança que Teresa suspeitava que a imagem oferecida pela madrinha no dia da primeira comunhão lhe piscava o olho, ria ou esmorecia. Contou à mãe, mas ela disse que era imaginação e que rezasse mas era muitas orações e pedisse a Santo Antoninho que lhe arranjasse um bom casamento. A verdade é que António nunca tinha gostado de João Paulo, pois sempre que saía com ele ou falava dele em casa, a imagem do santo, estrategicamente colocada em cima da cómoda do quarto, aparecia voltada para a parede, como se estivesse a fazer birra, e uma vez encontrou mesmo uma poça de lágrimas que ainda hoje lá está em forma de mancha na madeira.

V

António sai da sacristia a correr. O padre André acabou as confissões e dispensou o seu acólito favorito da missa de amanhã, até porque o dia de hoje, com a celebração dos "casamentos de Santo António", dá conta das pernas e do espírito ao mais santo da paróquia. Abençoados noivos, mas é uma carga de trabalhos gerir a solenidade do sacramento com os directos na televisão, os funcionários da Câmara e a gente toda que acorre ao local para assistir à tradição lisboeta. E o António, ai o António, lá vai ele ter com uma moça que o anda a afastar da vocação… O padre André começa a perder as esperanças de António ir para o seminário. “É um Franciscano de coração, mas tem o corpo inclinado para os prazeres da carne”. Não lhe leva a mal, que o rapaz anda feliz como nunca e parece que até lhe vê aumentada a graça da fé, mas preocupa-se que ele também possa não vir a ser um bom marido e pai de família, pois sinceramente, até lhe custa pensar isto, mas “ele não é bom da cabeça”. Já são algumas vezes que o apanha a conversar com a imagem de Santa Teresa D’Ávila que está do lado esquerdo da igreja, oferecida há uns anos por uma paroquiana abastada. Ao início achava que era por devoção, agora suspeita que será alucinação. E no outro dia, por Deus, jura que o apanhou a mexer nas saias e a apalpar os seios da santa. Mas tem-lhe perdoado, pois não esquece que há um ano, no fim de uma reunião de preparação com os Noivos de Santo António, ele próprio achou que estava a ficar senil quando ao despedir-se da igreja por aquele dia, passou pela imagem e viu com os seus próprios olhos e sentiu com os seus próprios dedos que as vestes da santa da cintura para baixo estavam molhadas e o rosto de Teresa D’ Ávila estranhamente sorridente.

A.S.

1 comentário:

Emilene Lopes disse...

Olá!
Obrigado pela visita, estarei te seguindo.
Bjs
Mila Lopes