quarta-feira, 9 de junho de 2010

SEMANA DO EROTISMO II


As Bodas de Eros


Ela acabara de acordar e já sentia ânsias de anoitecer, pressentia que algo de extraordinário se iria passar ao surgir do luar. Arrepios de prazer mental, imagens, cultos e cenários, – invadiam-na – soltavam-lhe a fecundidade da mente. Sensações antagónicas: vultos fantasmagóricos e figuras esbeltas, esvoaçavam no seu espírito – desejo ardente a nascente, medo crescente a poente – suores frios e quentes, fluidos correntes, cercavam-lhe a seda pele.
Abeirou-se das águas e observou o rasto das rosas que se esgueiravam num imenso mar deleite. Submergiu vagamente e, de olhos fechados, encetou uma dança de movimentos lentos e ritmados: passeou as mãos pelo corpo inteiro e soltou ténues e prolongados vagidos. Sentiu-se invadida por ondas sucessivas de prazer. Fruto do calor das suas mãos e do labor do seu intelecto, as ideias fluíam rapidamente. Ela não estava só no banho, sentia a presença de Eros, ele vinha acompanhado por um magote de homens e mulheres, que não conseguia vislumbrar. Seriam seguramente acólitos de Dionisios e amigos de Eros, os que agora a cercavam e envolviam, incessantes, em múltiplas carícias, levando-a ao êxtase.
Sobreveio um despertar relaxante e perturbador, Ela afinal amava Eros, desejava-o mais ainda, mas não havia podido resistir às delícias tocadas pelas mãos dos seus companheiros, que lhe reclamavam a carne. Na larga espera as horas iam passando, ora lentas ora rápidas, mergulhava no pensamento surpreendida pelas sensações que experimentara no banho, hesitava entre a curiosidade que aumentava e o receio do que a esperava.
Ao início do crepúsculo, começara o cerimonial da indumentária. Era o dia da mais pura união entre os seres e deveria agora vestir apenas as vestes mais alvas. Ela desnudara-se e observava-se atentamente ao espelho, via o seu corpo em carne vivido e estranhamente sentia nele o desejo de se arrojar por um outro mundo, numa descoberta de sensações e de prazeres. Pressentido que era o seu destino, estava resplandecente de beleza, na sensualidade exígua de um manto branco de linho que lhe velava o corpo revelando, expondo intimidades de uma forma dissimulada e assimétrica. Ela sabia que teria de estar pronta para a sua iniciação, o seu sacrifício, num ritual em que todos participariam – deuses, semi-deuses, heróis e até meros mortais .
A aspirante a deusa estava enfim preparada para ser recebida no Olimpo. Eros, o patrono da festa, esperara firme e paciente na antecâmara. Ela chegou junto a ele, deram as mãos e o par foi anunciado à multidão: tocaram os tambores e surgiram os dois pela grande porta dourada. O séquito tramitava no seu encalço pelo corredor, seguindo um rasto de perfumes de incenso e candelabros de círios em chamas lentas. As portas abriram-se prontamente, umas atrás das outras, até à última, a porta da nave principal do templo, um compartimento amplo sitiado por pequenas mesas (onde se dispunham néctares e vitualhas). Junto às mesas acomodavam-se algumas camas térreas almofadadas, revestidas a panos de seda. E entre passos anónimos, heróis e humanos mascarados deambulavam sinuosa e insinuantemente, declinavam o corpo sobre os tapetes tocando-se entre si e despojando-se dos panos que abandonavam pródigos. No Panteão divisavam-se deuses e deusas, que, em poses rituais, ensinavam os corpos nus e apenas mascaravam a vida com os terríveis traços da morte pintados no corpo e no rosto, em obediência às regras do culto e por temor aos céus.
Quando finalmente entraram no templo, os noivos sorriram cumplicidades entre si, olharam em redor, e, de acordo com o protocolo, fizeram a respectiva vénia ao deus maior, perante os urros de delírio de Afrodite que jazia coberta de corpos extasiados em doce fúria colectiva. Seguiu-se um ribombar de madeira contra madeira, quando impacientes os deuses atacaram em simultâneo o soalho com o cajado. Depois da trovoada geral soaram três pancadas fortes e imediatamente a tonitroante voz de Zeus decretou:” - Que comece a folia!”
E assim Eros e Psiké se uniram eternamente, unidos pelos Deuses e pelos Homens – e a afeição não mais deixou de ser o corpo na forma da alma que o procura incessante.


M. Jota

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