sexta-feira, 4 de junho de 2010


A Epifania de Eva

Quero ver o mundo através dos olhos rasgados que não vêem o mal óbvio que existe nas maçãs – olhar os pecados dos homens e beber o sumo da loucura que brota dos corpos suados, dos corpos ardentes, que se abraçam na ânsia de se entregarem puros. Sentir os fluídos brotarem de mim, deixá-los cobrirem-me o corpo, como gotas de orvalho sobre as folhas das árvores revivificadas por uma benção.
Quero ser meretriz e castidade, líbido e santidade: entregar a alma ao criador e o corpo ao sacrifício de um deus duro e castigador; e, com ele no coração, amar até à loucura sobre os papéis rasgados aos livros sagrados, até tingir o corpo com palavras de fé e encher a alma de paz.
Mesmo nos dias curtos em que a chuva não pára e o mar anda zangado, a fúria dos céus apenas prenuncia uma inevitável bonança vindoura, ensinando que tudo é efêmero e volátil e que a própria vida é feita do prazer que se frui ao fruir do próprio corpo. E que, se esses frutos não forem colhidos, o espírito se inquieta, se revolta e clama para se reequilibrar dentro do invólucro humano.
Numa pausa, a ressaca que segue a tempestade do nosso dar, o corpo fremente ainda, que, cansado, adormece para se reanimar e semear novos ventos e alevantar de novo o mar, animando-o contra as rochas. No momento seguinte o renascer em turbilhão, o rodopio no centro da turba, sem desvendar os olhos que sentem o frenesím dos corpos em seu redor – a catarse.
São invernos saborosos, esses que vivemos no calor dos braços que abrimos um ao outro, para nos prendermos um ao outro, partilhando o calor dos corpos que se dão ao nosso sacrifício. E a cada inverno nova primavera se segue, para banhar de sol a terra inteira e trazer a benção de novas flores – frutos-sem-estigma.

Joshua M.

1 comentário:

_Sentido!... disse...

Que texto fantástico!!!
Recupero a minha tranquilidade sempre que percebo que afinal não sou diferente e que sempre que o prazer no corpo acontece por um sentir profundo e verdadeiro, é a alma que lhe dá o gozo!...e... abençoado pecado!...
Adorei vir aqui!
Parabéns!