sexta-feira, 9 de abril de 2010


Metade de mim

Metade de mim acredita, outra metade pergunta se vale a pena. Metade de mim deseja, outra metade nada quer, a não ser o vazio do conhecimento que nada conhece. Metade de mim quer mudar o mundo, a outra metade quer apenas contemplá-lo. Metade de mim pega ao colo todos os esfomeados sem terra, todas as mães sem mãe, todos os filhos sem pais, outra metade mata os Senhores da Guerra e os hipócritas sem coração. Metade de mim ouve pássaros a chilrear, outra, as bombas longínquas a rebentar. Metade de mim é paz, outra metade é guerra. Sou leão e leoa, caço e devoro, protejo e ataco. Sou Deus e Diabo, zelo pelo bem comum, e mando tudo pelos ares. Metade de mim vive aqui, no meio do Atlântico Norte, outra metade tem as malas feitas para partir rumo ao mundo imenso. Metade de mim é música, outra metade silêncio. Sou a autora de metade das minhas acções, porque das reacções os governos são senhores e donos. Metade de mim grita e escreve o que vai na alma, a outra metade cala e vagueia pelo mundo dos sonhos. Metade de mim chora e ri, a outra metade apenas dói. Metade de mim dá abrigo e carinho, outra metade é só cansaço. Metade de mim vibra com o fulgor dos descobridores intrépidos, enfrenta os dias com a caneta em riste e a agenda aberta, a outra metade senta-se à beira de uma lareira, na escuridão de uma noite sem lua e deseja a solidão divina dos animais. Metade de mim é amizade, é alegria infantil e inocente, outra metade a tristeza de todas as dores da humanidade. Quem sou são duas metades de algo. Metade, conheço, outra é apenas uma estranha sem nome nem morada. Metade de mim é gratidão e amor, a outra pergunta se chegou a nascer. Metade de mim é esperança, a outra metade também.

Lucinda Gray

1 comentário:

Duarte disse...

O animal entende-se:
tem cascos põe-os a render
tem pele aquece
fecha-se dos olhos para adormecer
tudo quanto lembra, esquece
Desprende-se.
Permanece.

Luiza Neto Jorge

Beijinhos doces