quinta-feira, 8 de abril de 2010


Elipse

Uma espécie de vertigem. Fechar os olhos e o chão baloiçar. Fechar os olhos e o mundo rodopiando e nós no meio, com uma pressão concentrada em moinha na cabeça. Fechar os olhos à espera que passe. Não sei já por que esperar. Uma adrenalina de tudo o que há para fazer, de todos os problemas latentes e iminentes, de todos os que se vislumbram e os que nunca foram embora. Querer lutar, querer ser melhor, ser mais forte. Uma espécie de zumbido lembrando o caminho a percorrer.
Quantas horas passaram? Parece que foi ontem, parece que há milénios atrás. Quanto tempo desconhecido à minha volta... Caras familiares hoje tão incógnitas. Lutar só mais daqui a um bocadinho, enfrentar só mais daqui a um bocadinho, mover só mais daqui a um bocadinho, ser: só mais daqui a um bocadinho.
Do mundo dos mortos se erguem as maleitas do ciclo que quero fechar. Fast forward e chegar ao fim. Que tudo acabe bem. Que enfim tudo acabe.
Encontro os dedos de novo ensanguentados. Não me lembro de me levantar, não me lembro da lãmina na mão, não me lembro de fibras soltando-se, lassas, ficando prontas a expor a carne. Não lembro manhãs de nevoeiro, que acalmam pela paz estagnada da penumbra.
As horas não deixam, todavia, de passar. E o mundo gira. E a vida prossegue. E gritos e choros distantes por que lutar. E projectos inacabados urgindo uma ânsia de término. E gentes e espaços e rotas e sonhos. O mundo que rodopia numa vertigem. O mundo que se esgota por segundos, no embate do corpo contra o chão, no vermelho dos braços e das pernas, no esvair da ansiedade em flecha. Morrer por momentos e ressuscitar. A vida renovada que permanece imutável.
 
Virginia Machado

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